"O consumo moderado de maconha não provoca nenhum dano sério à saúde"

"Nunca, em 5000 anos de história, foi relatado um caso sequer de morte provocado pelo consumo de cannabis"






Absurdo juridico

A imposição de sanção penal ao possuidor de droga para uso próprio conflita com o Estado Constitucional e Democrático de Direito (que não aceita a punição de ninguém por perigo abstrato e tampouco por fato que não afeta terceiras pessoas).

Vejamos: por força do princípio da ofensividade não existe crime (ou melhor: não pode existir crime) sem ofensa ao bem jurídico.
(cf. GOMES, L.F. e GARCIA-PABLOS DE MOLINA, A.Direito


legalize canabis sativa
medicinal e recreativa

quarta-feira, 31 de março de 2010

Alegria é como sexo

Vou em busca da aventura de estar vivo.

And it's complicated: why am I not looking for happiness when everyone has taught me that happiness is the only goal worth pursuing? / E é complicada: por que não estou procurando a felicidade, quando toda a gente tem me ensinado que a felicidade é a meta só vale a pena perseguir?

Why am i going to risk taking a path that no one else is taking?After all, what is happiness? Por que eu estou indo para o risco de levar um caminho que ninguém mais está tomando? Afinal, o que é felicidade?

Love, they tell me. Amor, me dizem. But love doesn't bring and never has brought happiness. Mas o amor não traz e nunca trouxe felicidade.

On the contrary, its a constant state of anxiety, a battlefield; its sleepless nights, asking ourselves all the time if we're doing the right thing. Pelo contrário, o seu constante estado de ansiedade, um campo de batalha, suas noites sem dormir, perguntando a nós mesmos o tempo todo, se nós estamos fazendo a coisa certa. Real love is composed of ecstacy and agony.All right then, peace. O amor verdadeiro é composto de êxtase e agonia.E então, a paz.

Peace? Paz? If we look at the Mother, she's never at peace. Se olharmos para a Mãe, ela nunca está em paz. The winter does battle with the summer, the sun and d moon never meet, the tiger chases the man, who's afraid of the dog, who chases the cat, who chases the mouse, who frightens the man. O inverno é a batalha com o verão, o sol e a lua nunca se encontram, o tigre persegue o homem, que está com medo do cão, que persegue o gato, que persegue o rato, que assusta o homem.

Money brings happiness. Dinheiro traz felicidade. Fine. Fine. In that case, everyone who earns enough to have a high standard of living would be able to stop work. Nesse caso, todo mundo que ganha o suficiente para ter um alto padrão de vida seria capaz de parar de trabalhar. But then they're more troubled than ever, as if they were afraid of losing everything. Mas então eles estão mais incomodados do que nunca, como se eles estivessem com medo de perder tudo. Money attracts money, that's true. Dinheiro atrai dinheiro, isso é verdade. Poverty might bring unhappiness, but money wont necessarily bring happiness.I spent a lot of my life looking for happiness, now what i want is joy. A pobreza pode trazer infelicidade, mas o dinheiro não vai necessariamente trazer felicidade.Eu passei muito da minha vida procurando a felicidade, agora o que eu quero é alegria.

Joy is like sex – it begins and ends. Alegria é como sexo - que começa e termina. I want pleasure. Eu quero prazer. I want to be contended, but happiness? Eu quero ser alegre, mas a felicidade? I no longer fall into that trap. Eu não caio nessa armadilha.

by Paulo Coelho ( “The Witch of Portobello” ) por Paulo Coelho ("A Bruxa de Portobello")

Drogas – por José Marcelo Zacchi

do blog Conversas Públicas
O descongelamento do debate sobre drogas é uma das melhores novidades na arena pública brasileira recente. Faz um bem imenso que o assunto possa ser discutido sem a censura prévia do tabu, e que a razão possa afinal incluir-se entre os elementos envolvidos na conversa.
Com a abertura do debate, multiplicam-se as vozes. Fernando Henrique Cardoso, Ernesto Zedillo, César Gaviria e as comissões latinoamericana e brasileira sobre drogas e democracia, chamando a atenção para o fracasso da guerra às drogas. Ethan Nadelmann e sua Drug Policy Alliance, demonstrando as incongruências presentes na construção histórica das políticas sobre drogas. Jack Cole, ex-detetive especializado em drogas da polícia de Nova Jersey, e sua Law Enforcement Against Prohibition, expondo números e resultados da proibição. John Grieve, ex-comandante da unidade de inteligência criminal da Scotland Yard, e suas 10 Razões para Legalizar as Drogas. Organizações da área traçando alternativas de regulação legal para as diferentes drogas. O Ministério da Justiça apoiando o mapeamento dos padrões de aplicação da lei de drogas no Brasil. Grupos brasileiros como o Growroom, o Desentorpecendo a Razão e a Marcha da Maconha demonstrando muito mais consistência e lucidez do que gostariam os críticos que tentam proibi-los. Veículos tão diversos como a The Economist e o Le Monde Diplomatique repercutindo esses movimentos. E assim por diante, com cada vez mais agentes entrando em cena e mais links aqui.

Vale a pena dedicar atenção a eles, no mínimo pelo gosto da exploração de um conjunto de informações muito mais amplo do que o revelado pelo senso comum sobre o tema. De forma resumida, as evidências e argumentos reunidos neste esforço convergem para três observações principais.
A primeira: o que pauta a nossa atitude coletiva em relação às drogas é historicamente muito mais a maneira como elas são socialmente percebidas do que os riscos associados a elas. Preconceitos e tensões entre classes ou grupos sociais importam mais do que evidências científicas (reproduzindo, de resto, um viés bem conhecido das políticas criminais em geral). Assim é que, por exemplo, ópio, maconha e cocaína foram utilizados cotidiana e mesmo clinicamente nos Estados Unidos até o início do século 20, até que a percepção do seu consumo por parte de imigrantes chineses e mexicanos e de negros – e os medos associados a isso – levaram à sua proibição. Assim é que, por outro lado, o consumo de álcool e tabaco, produzidos industrialmente por cidadãos respeitáveis, pôde ao mesmo tempo ser estimulado – inclusive por seus supostos efeitos benéficos, retratados na publicidade relacionada a eles. Ou que hoje antidepressivos, estimulantes, energéticos e fortificantes diversos tornam-se cada vez mais onipresentes, em pleno apogeu da estratégia de “guerra às drogas”. Cada um com seus vícios, medos e manias: mas em função deles a linha mestra do tratamento público às drogas foi sempre dada pelo lugar social de quem produz e quem consome cada uma delas, bem antes de uma análise objetiva de suas faculdades.

A segunda: é preciso retomar a questão dos limites do direito do Estado e da sociedade a controlar hábitos privados. Não é o argumento mais forte no front do debate público atual, mas mereceria mais atenção. Porque se o fundamento é a proteção do indivíduo contra um hábito que pode lhe fazer mal, então seria preciso admitir a possibilidade de amanhã proibirmos ou limitarmos legalmente o consumo individual de açúcares e gorduras, além do próprio tabaco e do álcool. Se o que importa é o risco indireto do consumo vir a causar danos a terceiros, então parece óbvio que um consumidor eventual de vinho deveria ter o mesmo tratamento de um consumidor eventual de maconha. Os paralelos poderiam seguir (incluindo mais uma vez o universo dos estimulantes – que “te dão asas” -, anabolizantes e drogas terapêuticas em geral), e seu cruzamento com a perspectiva histórica apontada acima dá o que ponderar. Não existe razão objetiva para que os termos “enólogo”, “cervejeiro”, “cocalero” e “maconheiro” tenham as conotações distintas que têm. É uma questão de justiça e de igualdade perante a lei compatibilizar os tratamentos a estes diferentes consumidores.
A terceira: abuso de drogas é ruim, a guerra às drogas é pior. A proibição, gerando o mercado ilegal e a violência, corrupção e marginalização cotidianas associadas a ele, é responsável por muito mais danos e vidas perdidas do que o consumo que ela visa – sem sucesso – combater. É preciso ter claro: nenhuma das vozes citadas questiona que drogas sejam potencialmente danosas ou defende a sua legalização pura e simples, sem controles e políticas públicas associados. O que está em questão é a coerência, a eficácia e os efeitos colaterais das estratégias adotadas para lidar com elas. Passadas mais de 4 décadas de políticas baseadas na proibição e na meta de erradicação, será que faz mesmo sentido ter multiplicado por 4 a taxa de encarceramento relacionada a delitos de drogas nos Estados Unidos e por 700 as despesas com o seu combate, sem qualquer alteração perceptível nos indicadores de consumo dessas substâncias? Ou contar com 40% dos detentos brasileiros em regime fechado condenados por tráfico de drogas (a grande maioria na condição de pequenos funcionários do negócio)? Ou mobilizar organizações policiais ou divisões militares inteiras para converter regiões de cidades ou países em verdadeiras praças de guerra em nome da reiteração sem fim dessa estratégia? São questões como essas que motivam um número crescente de observadores lúcidos a buscar um caminho alternativo. E a senha para ele também não chega a ser surpreendente: controlar, informar e reduzir danos, reconhecendo a existência do fenômeno social, é muito mais eficaz do que tentar eliminá-lo. E você não tem como controlar e regular algo que é ilegal.
Sabemos disso: usamos a alternativa da regulação e da informação para lidar com o álcool, tabaco, analgésicos, estimulantes, calmantes, antidepressivos e outros produtos cuja fronteira entre o uso benéfico ou recreativo e o abuso danoso está nas condições e nas doses com que são consumidos. Esta via se mostrou ao longo do tempo mais bem-sucedida tanto em relação à permissividade plena por muito tempo adotada para o álcool e o tabaco, quanto à proibição absoluta que impera até hoje para a maconha, a coca, os alucinógenos e outras substâncias ilícitas. Foi positivo reduzir a permissividade em relação ao tabaco e ao álcool, será positivo e realista ampliá-la em grau adequado em relação às drogas hoje criminalizadas.
E o caso é que esta correção de rumo não é apenas um componente secundário, de interesse específico de uma parcela reduzida da sociedade, representada pelos interessados em consumir legalmente esta ou aquela substância ou por liberais zelosos da autonomia individual. É, sim, um elemento central para a possibilidade de superar com sucesso alguns dos nossos principais problemas nos âmbitos da segurança e da saúde públicas. Não é de fato um exagero óbvio dizer que na perspectiva dessas duas áreas, a opção pela guerra às drogas é hoje de longe causa de mais problemas do que o consumo delas.

São recursos públicos mobilizados, vidas consumidas e estigmas ampliados demais para que se possa deixar de tratar a questão em nome de poupar-se de um debate público desgastante e controverso. Foi preciso substituir o objetivo primordial da erradicação do narcotráfico pelo do primado da vida e da liberdade de circulação para poder-se falar com consistência na pacificação das favelas do Rio de Janeiro. É preciso substituir a marginalização pela compreensão e oferta pública de apoio para a superação da dependência química de qualquer substância. Será preciso rever preconceitos e atitudes em relação às drogas ilícitas para conter o círculo vicioso perverso associado à sua proibição.
Por isso, talvez, é que a conversa franca sobre o assunto imponha-se aos poucos com a força que precisa ter. Com o passar do tempo, vai ficando claro que não haverá como avançar sem encará-la. Para isso, não é preciso concordar com tudo o que está dito acima. Basta ter abertura para a busca de soluções com base na observação serena de evidências e argumentos, e não em crenças ou temores pré-estabelecidos (sem que se saiba bem quando e por quem). De fato, uma injeção de sobriedade tem tudo para incidir saudavelmente sobre a nossa relação com as drogas.

segunda-feira, 29 de março de 2010

COMO TRATAR AS PESSOAS GROSSAS


Aprenda com uma funcionária da GOL.....


Um vôo lotado da GOL foi cancelado.

Uma única funcionária atendia e tentava resolver o problema de uma longa fila de passageiros. De repente, um passageiro irritado cortou toda a fila até o balcão, atirou o bilhete e disse:

- Eu tenho que estar neste vôo e tem de ser na primeira classe!

A funcionária respondeu: - O senhor desculpe, terei todo o prazer em ajudar, mas tenho que atender estas pessoas primeiro, já que elas também estão aguardando pacientemente na fila. Quando chegar a sua vez, farei tudo para poder satisfazê-lo.

O passageiro ficou irredutível e gritou para que todos na fila ouvissem:

- Você faz alguma idéia de quem sou?

Sem hesitar, a funcionária sorriu, pediu um instante e pegou o microfone, anunciando:

- Posso ter um minuto da atenção dos senhores, por favor? (a voz ecoou por todo o terminal).

E continuou: - Nós temos aqui no balcão um passageiro que não sabe quem é, deve estar perdido... Se alguém é responsável pelo mesmo, ou é parente, ou então puder ajudá-lo a descobrir sua identidade, favor comparecer aqui no balcão da GOL. Obrigada!

O homem olhou furiosamente para a funcionária, rangeu os dentes e disse, gritando:
- Eu vou te foder!

Sem recuar, ela sorriu e disse:

- Desculpe, meu senhor, mas mesmo para isso o senhor vai ter de esperar na fila; tem muita gente querendo o mesmo.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Tornar-se o Que Se É (Becoming What We Are)

por Robert Anton Wilson



Se você passear por um grande museu de arte, perceberá que Van Gogh não pinta o mesmo mundo de Rembrandt, Picasso não vê as coisas do mesmo modo que Goya, Georgia O’Keefe não lembra muito Rivera, Salvador Dali não se parece com ninguém que não seja ele mesmo, e em geral, nenhum artista de renome mundial se tornou um “clássico” fazendo o que alguém já tinha feito sequer o que todo mundo em sua época fazia.

E na ciência, os nomes de Einstein, Dirac, os Curies, Bohr, Heisenberg, Schroedinger, John Bell etc. vivem até hoje porque nenhum deles via Newton como um dogma religioso: todos eles fizeram únicas e imprevisíveis inovações na teoria básica.

E, no caso de você achar que isso só se aplica às “artes e ciências”, considere as pessoas de maior sucesso na indústria. Henry Ford não ficou rico copiando o barco a vapor de Fulton; ele fez um carro tão barato que qualquer pessoa podia comprar um. Howard Hughes produziu filmes que ninguém mais ousaria tentar, e então passou a revolucionar a indústria aérea. Buckminster Fuller não copiou a forma cúbica de arquitetos anteriores, mas inventou a cúpula geodésica; Na última contagem, existiam mais de 3OO.OOO de seus edifícios, o que o tornou o arquiteto mais visivelmente bem sucedido na história. Steve Wozniak não copiou os computadores da sua época, e sim inventou um, que mesmo um completo idiota (como eu) podia usar (e até se divertir!) Bill Gates criou novos tipos de software. Etc.

Todos nós precisamos da constante reiteração destes truísmos porque vivemos em um mundo onde uma multiplicidade de forças muito poderosas têm trabalhado sobre nós. Do nascimento, passando pela escola até o trabalho, tentam suprimir nossa individualidade, nossa criatividade e, acima de tudo, nossa curiosidade – em suma, destruir tudo que nos encoraja a pensar por nós mesmos.

Nossos pais queriam que nós agíssemos como as outras crianças da vizinhança; eles enfaticamente não queriam um menino ou uma menina que parecessem “estranhos” ou “diferentes” ou (que deus nos ajude) “condenavelmente espertos demais.”

Então entramos na escola, um destino pior que a morte e o inferno combinados. Ao aterrissarmos em uma escola pública ou uma escola religiosa paga, aprendemos duas lições básicas: 1) Existe uma resposta correta para qualquer questão; e 2) A educação consiste em memorizar essa única resposta correta e regurgitá-la nas “provas”.

As mesmas táticas continuam pelo ensino médio e, salvo em algumas ciências, até a universidade.

Através desta “educação” encontramos a nós mesmos bombardeados pela religião organizada. A maioria das religiões, no ocidente, também nos ensina a “única resposta correta”, a qual devemos aceitar com uma fé cega; pior ainda, tentam nos aterrorizar com ameaças de sermos assados após a morte, tostando e fervendo no inferno se alguma vez ousarmos pensar por nós mesmos, de fato.

Depois de 18 a 30+ anos de tudo isso, entramos no mercado de trabalho, e aprendemos a nos tornar, ou a tentar nos tornar, quase surdos, mudos e cegos. Devemos sempre dizer aos nossos “superiores” o que eles querem ouvir, o que veste seus preconceitos e/ou seus desejos fantasiosos. Se notarmos aquilo que eles não queriam saber sobre, aprendemos a manter nossas bocas fechadas. Se não-

“Mais uma palavra, Bumstead, e você está despedido!”

Como o meu Mahatma guru J.R. “Bob” Dobbs diz, “Você sabe o quanto um cara da média é mudo? Bem, matematicamente, por definição, metade deles são ainda mais mudos que isso.”

“Bob” pode ter confundido ‘da média’ com ‘mediano’, mas de certa forma ele acertou na mosca. Metade das pessoas que você conhece parece, de fato mais inexpressiva que uma caixa de pedras; mas elas não começaram assim. Pais, senhores, escolas, igrejas, anunciantes e empregos as transformaram nisso. Cada bebê ao nascer tem um incansável temperamento curioso e experimental. Leva o primeiro terço de nossas vidas para destruir essa curiosidade e experimentalismo; e na maioria dos casos, nos tornamos uma parte plácida de um rebanho dócil.

Este rebanho humano começou com gênios em potencial, antes que a conspiração tácita da conformidade social enferrujasse seus cérebros. Todos eles podem se redimir dessa liberdade perdida, se trabalharem duro pra isso.

Eu trabalhei por isso por 50 ou mais anos até agora, e ainda acho partes de mim agindo como um robô ou um zumbi em ocasiões. Aprendender a “Tornar-se O Que Se É” (como na frase de Nietzsche ) leva o tempo de uma vida, mas ainda parece ser o melhor jogo da cidade.


Copyright: Robert Anton Wilson

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Traduzido do original em inglês

terça-feira, 16 de março de 2010

"Conheça As Conclusões Da Comissão Mundial Sobre A Cannabis"

CONCLUSÕES SOBRE O USO E DANOS PROVOCADOS PELA CANNABIS
1. Durante os últimos cinquenta anos, o uso recreativo da cannabis se estabeleceu em larga escala entre adolescentes e jovens adultos de diversos países desenvolvidos e de alguns países em desenvolvimento. Nos países desenvolvidos, com um maior histórico de consumo, uma minoria significativa de usuários prolonga seu uso até a meia-idade e mais adiante.
2. O consumo de cannabis causa danos à saúde de várias maneiras. Seu uso prejudica a capacidade de realizar tarefas de grande exigência e, antes de dirigir, provavelmente aumenta o risco de acidentes de carro. Aproximadamente 10% das pessoas que experimentam a droga se tornam dependentes e têm maior risco de contrair doenças respiratórias, de ter seu funcionamento cognitivo prejudicado (ainda que no curto prazo) e de apresentar sintomas ou distúrbios psicóticos. O uso precoce ou frequente pelos jovens pode prejudicar seu desempenho educacional e outros resultados psicossociais na adolescência.
3. A probabilidade e a magnitude dos danos entre os fumantes crônicos de cannabis são modestas em comparação aos provocados por outras substâncias psicoativas de uso comum, tanto lícitas como ilícitas – específicamente, o álcool, o tabaco, as anfetaminas, a cocaína e a heroína.
4. Recentemente, cresceram as preocupações sobre o aumento da potência dos derivados de cannabis. A concentração média de THC provavelmente aumentou na maioria dos países, devido, pelo menos em parte, à ilegalidade da produção da droga. As consequências desse aumento para a saúde dependem da capacidade dos usuários de determinar o tamanho da dose de THC.
5. Ao longo do tempo, a taxa de uso de cannabis variou dentro e entre países, mas estas variações não parecem ter sido significativamente afetadas pela possibilidade de detenção ou de penalidades pelo uso ou venda da droga, por mais severas que sejam. A difusão do uso de cannabis pelo mundo sugere que, para muitas pessoas, seu consumo traz prazer e benefícios, tanto terapêuticos como de outros tipos.
6. É provável que as pessoas que dirigem sob o efeito da cannabis possam prejudicar os outros. Hoje em dia, existem ferramentas para detectar se um motorista está sob o efeito de cannabis, e regras para dissuadir este tipo de comportamento precisam ser implementadas e cumpridas. Outros danos provocados a terceiros pelo uso da droga foram menos documentados. Provavelmente, o fracasso nas vidas familiar e profissional são os mais importantes.

CONCLUSÕES SOBRE OS EFEITOS DA POLÍTICA ATUAL
7. Há muito tempo são feitas tentativas para dissuadir o uso da cannabis, através da proibição e atuação policial. Grande parte dos esforços na aplicação das leis na maioria dos países tem sido focada na detenção dos usuários. Nos países desenvolvidos com grandes populações de usuários da droga, as penalidades realmente impostas normalmente são modestas se comparadas às que a lei prevê. Além disso, a probabilidade de ser preso por uso de cannabis está por volta de um em mil. O esforço na aplicação da lei não tem obtido muito sucesso em dissuadir o uso.
8. O argumento em favor de penalidades severas para delitos de posse é fraco, tanto por justificativas normativas como práticas. Em muitos países desenvolvidos, a maioria dos adultos nascidos nos últimos cinquenta anos faz uso de cannabis. Os regimes proibicionistas que criminalizam os usuários invadem a privacidade, dividem a sociedade e são caros. Consequentemente, vale à pena considerar alternativas.
9. Além dos muitos recursos governamentais gastos para aplicar um regime proibicionista, esse tipo de abordagem também impõe custos secundários e sofrimentos individuais em grande escala. Por exemplo, uma condenação por posse de cannabis pode interferir na vida profissional de um indivíduo e excluí-lo socialmente, e a detenção pode causar humilhação pessoal e para a família. Nos países onde os dados estão disponíveis, a taxa de detenção é claramente mais alta entre os grupos minoritários e socialmente desprovidos.
10. Inúmeras jurisdições adotaram medidas de redução das penalidades ou descriminalizam a posse e o uso sem que tenha sido verificado um aumento significativo no uso. Ao contrário, estas medidas de reforma conseguiram atenuar as consequências desfavoráveis da proibição. No entanto, os benefícios da descriminalização podem ser prejudicados tanto pelas práticas da polícia, que pode aumentar o número de usuários penalizados, como pela aplicação discriminatória da lei.

ALÉM DOS TRATADOS INTERNACIONAIS
11. Os tratados internacionais atuais inibem a despenalização e impedem reformas mais completas dos regimes internacionais sobre cannabis. Os regimes que vão além da despenalização ou descriminalização se caracterizaram por inconsistências e paradoxos. Por exemplo, os cafés holandeses, embora vendam produtos pela porta da frente, não podem comprar seus suprimentos pela porta de trás.
12. "Aquilo que é proibido não pode ser regulamentado". Há, desse jeito, vantagens para os governos em adotar um regime de disponibilidade legal regulamentado sob controles severos, usando uma variedade de mecanismos disponíveis para regulamentar um mercado legal, tais como a fiscalização, controles de disponibilidade, idade mínima de uso e de compra, rótulos padronizados e limites de potência. Uma alternativa, que minimiza o risco de promover o uso, é permitir somente uma produção em pequena escala para uso pessoal ou como presentes para outros.
13. Existem quatro alternativas principais para um governo que procura tornar a cannabis disponível num mercado regulamentado no contexto das convenções internacionais: (1) em alguns países (aqueles que seguem o princípio da oportunidade), é possível satisfazer as condições das convenções internacionais enquanto se permite o acesso legal "de fato". O modelo holandês é um exemplo.
14. Se uma nação não estiver disposta a fazer isto, há três caminhos que são os mais viáveis:
(2) Optar por um regime de disponibilidade regulamentada que francamente ignore as convenções. Um governo que segue este caminho deve estar disposto a resistir à substancial pressão internacional.
(3) Denunciar as convenções de 1961 e 1988 e aceitá-las novamente, mas com reservas com respeito à cannabis.
(4) Junto a outros países de boa vontade, negociar uma nova convenção numa base supranacional.
15. A história se confunde quando se pergunta se a legalização do uso e da venda de cannabis em um mercado fortemente regulamentado provocaria prejuízos maiores com relação ao uso da droga no longo prazo. A experiência com os regimes de controle de outras substâncias psicoativas demonstra que os regimes negligentes e a permissão da promoção comercial extensa podem resultar em altos níveis de uso e de danos, enquanto regimes de controle rígidos podem manter baixos os níveis dos mesmos.
16. Uma nação que quer tornar o uso e a venda da cannabis legais num mercado regulamentado deve-se voltar às experiências práticas com outros regimes relevantes de controle de substâncias psicoativas. Estas incluem regimes de prescrição, monopólios da venda do álcool, rótulos e licenças, controles de disponibilidade e de fiscalização. É preciso prestar atenção especial para limitar a influência e a promoção do uso para interesses comerciais. Também é preciso considerar as lições negativas dos controles mínimos do mercado que muitas vezes são aplicados para o tabaco e o álcool, assim como avaliar os exemplos positivos.

PRINCÍPIOS DA ANÁLISE DE POLÍTICAS
17. Nossas recomendações abaixo são guiadas por princípios éticos gerais de uma ação de saúde pública: as medidas para reduzir efeitos devem ser proporcionais aos maus efeitos que eles têm a intenção de impedir, devem ter consequências o mais positivas possível e evitar as negativas, devem minimizar os efeitos sobre a autonomia individual e devem ser executadas de maneira justa, particularmente com respeito aos grupos menos poderosos ou marginalizados.
18. As políticas atuais sobre cannabis podem ser benéficas, mas há falta de evidências que comprovem essa afirmação. Elas claramente impactam negativamente os indivíduos que são presos, infringem a autonomia individual e muitas vezes são aplicadas injustamente. A execução da proibição da cannabis também é custosa. O objetivo é planejar políticas mais eficazes, levando em consideração todos estes aspectos. Nós reconhecemos a importância dos constrangimentos impostos às políticas pela opinião pública que geralmente apoia a retenção da proibição.
19. O objetivo principal de um sistema de controle da cannabis deve ser minimizar quaisquer prejuízos decorrentes do seu uso. Em nossa opinião, isto quer dizer que se deve permitir o uso com restrições e tentar guiar o consumo em torno de padrões menos nocivos (ex.: desestimulando o uso até o início da fase adulta e orientando os usuários a evitar o uso diário ou a dirigir depois de consumir a droga).

RECOMENDAÇÕES POLÍTICAS
As ações dentro dos limites do regime atual de controle internacional, tais como:

21. Sob o regime internacional atual de controle, as opções de política sobre cannabis disponíveis aos governos são discutivelmente limitados com relação à severidade das penalidades ao uso, que costumam variar. Visto que o aumento da aplicação do proibicionismo parece fazer pouco para reduzir o uso, a preocupação principal da política sobre cannabis deve ser minimizar as consequências adversas dessa proibição.
22. Se uma nação escolher usar o direito penal para controlar o uso da cannabis, não há justificativa para prender um indivíduo pela posse ou uso ou para condená-lo. Usar a lei penal que pune a posse como instrumento de uso discricionário da polícia tende a resultar na aplicação discriminatória da lei contra os desprovidos. A polícia deve dar baixíssima prioridade em executar leis contra cannabis ou sua posse.
23. Uma opção melhor, cuja adoção é mais aberta à discussão sob as convenções internacionais, é a de processar infrações administrativamente fora do sistema de justiça criminal. As multas devem ser baixas, e sanções alternativas, como as relacionadas à educação ou à orientação psicológica, não devem ser árduas, refletindo assim o princípio da proporcionalidade.

Deixando de lado as convenções internacionais:

24. O regime internacional de controle de drogas deve ser reformulado para deixar que um Estado adote, efetive e avalie o seu próprio regime sobre a cannabis dentro de suas fronteiras. Isso exigiria mudanças nas convenções atualmente em vigor, ou a adoção de uma nova convenção.
25. Na ausência de tais emendas, um estado pode agir por si próprio ao denunciar as convenções e aceitá-las novamente, mas com reservas, ou simplesmente ignorar algumas estipulações das convenções.
26. Qualquer regime que faz com que a cannabis se torne legalmente disponível deve envolver a regulamentação estatal ou operação de agências estatais que produzem e vendem a droga no atacado e a varejo (como, em muitas jurisdições, é o caso com as bebidas alcoólicas). O Estado deve, diretamente ou por meio de regulamentação, controlar a potência e a qualidade, assegurar preços bastante elevados e controlar em geral o acesso e a disponibilidade, especialmente para os jovens.
27. O estado deve assegurar que informações apropriadas sobre os danos decorrentes do uso da cannabis sejam disponibilizadas e ativamente compartilhas com os usuários. A publicidade e a promoção devem ser proibidas ou rigorosamente limitadas o máximo possível.
28. Deve-se monitorar o impacto de quaisquer mudanças, inclusive quaisquer efeitos adversos não desejados, e deveria existir a possibilidade de uma revisão rápida e considerável se houver um aumento dos danos.

Fonte: Sobredrogas (http://oglobo.globo.com/blogs/sobredrogas/posts/2010/02/24/conheca-as-conclusoes-da-comissao-mundial-sobre-cannabis-268693.asp)

Os Estatutos do Homem.

Ato Institucional Permanente


A Carlos Heitor Cony



Artigo I.
Fica decretado que agora vale a verdade.

que agora vale a vida,

e que de mãos dadas,

trabalharemos todos pela vida verdadeira.


Artigo II.
Fica decretado que todos os dias da semana,

inclusive as terças-feiras mais cinzentas,

têm direito a converter-se em manhãs de domingo.


Artigo III.
Fica decretado que, a partir deste instante,

haverá girassóis em todas as janelas,

que os girassóis terão direito

a abrir-se dentro da sombra;

e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,

abertas para o verde onde cresce a esperança.


Artigo IV.
Fica decretado que o homem

não precisará nunca mais

duvidar do homem.

Que o homem confiará no homem

como a palmeira confia no vento,

como o vento confia no ar,

como o ar confia no campo azul do céu.


Parágrafo Único:
O homem confiará no homem

como um menino confia em outro menino.


Artigo V.
Fica decretado que os homens

estão livres do jugo da mentira.

Nunca mais será preciso usar

a couraça do silêncio

nem a armadura de palavras.

O homem se sentará à mesa

com seu olhar limpo

porque a verdade passará a ser servida

antes da sobremesa.


Artigo VI.
Fica estabelecida, durante dez séculos,

a prática sonhada pelo profeta Isaías,

e o lobo e o cordeiro pastarão juntos

e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.


Artigo VII.
Por decreto irrevogável fica estabelecido

o reinado permanente da justiça e da claridade,

e a alegria será uma bandeira generosa

para sempre desfraldada na alma do povo.


Artigo VIII.
Fica decretado que a maior dor

sempre foi e será sempre

não poder dar-se amor a quem se ama

e saber que é a água

que dá à planta o milagre da flor.


Artigo IX.
Fica permitido que o pão de cada dia

tenha no homem o sinal de seu suor.

Mas que sobretudo tenha sempre

o quente sabor da ternura.


Artigo X.
Fica permitido a qualquer pessoa,

a qualquer hora da vida,

o uso do traje branco.


Artigo XI.
Fica decretado, por definição,

que o homem é um animal que ama

e que por isso é belo.

muito mais belo que a estrela da manhã.


Artigo XII.
Decreta-se que nada será obrigado nem proibido.

tudo será permitido,


inclusive brincar com os rinocerontes

e caminhar pelas tardes

com uma imensa begônia na lapela.


Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:

amar sem amor.


Artigo XIII.
Fica decretado que o dinheiro

não poderá nunca mais comprar

o sol das manhãs vindouras.

Expulso do grande baú do medo,

o dinheiro se transformará em uma espada fraternal

para defender o direito de cantar

e a festa do dia que chegou.


Artigo Final.
Fica proibido o uso da palavra liberdade.

a qual será suprimida dos dicionários

e do pântano enganoso das bocas.

A partir deste instante

a liberdade será algo vivo e transparente

como um fogo ou um rio,

e a sua morada será sempre

o coração do homem.



Santiago do Chile, abril de 1964


Publicado no livro Faz Escuro Mas Eu Canto: Porque a Manhã Vai Chegar 1965.


In: MELLO, Thiago de. Vento geral, 1951/1981: doze livros de poemas. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 198

sábado, 13 de março de 2010

Drogas e farmacos

O excelente artigo abaixo foi escrito pelo professor Henrique Carneiro, do Departamento de História da USP, para o site do Coletivo Desentorpecendo a Razão (http://http://coletivodar.wordpress.com/). Em seu texto, Henrique propõe não só a legalização de todas as drogas ditas ilícitas, mas a construção de uma política social que administre a distribuição de todo o tido de drogas: das recreativas às terapêuticas. Traçando um painel detalhado do assustador crescimento da indústria farmacêutica nos últimos 60 anos, e da consequente dependência da sociedade contemporânea por remédios psicoativos, Henrique defende, ao mesmo tempo, o fim do proibicionismo e da nefasta "cultura do comprimido", que explora sem escrúpulos o desejo de felicidade e o medo da dor inerentes a todo ser humano.

Não importa a sua opinião sobre drogas ou legalização. Este é um artigo que vale muito a pena ler:

Legalização e controle estatal de todas as drogas para a constituição de um fundo social para a saúde pública

Por Henrique Carneiro, professor do Departamento de História da USP *

Uma política sobre drogas deve abranger os três circuitos de circulação das drogas psicoativas existentes na sociedade contemporânea: o das substâncias ilícitas, o das lícitas de uso recreacional e o das lícitas de uso terapêutico.

A divisão estrita entre estes três campos é recente e sempre vem se alterando. O álcool já foi remédio, tornou-se droga proibida e voltou a ser substância de uso lícito controlado. Outras, como os derivados da Cannabis, que por milênios fizeram parte de inúmeras farmacopéias, foram objeto de uma proscrição oficial no século XX, a ponto de a ONU querer “erradicar” essa planta, assim como outras tais como a coca e a papoula produtora de ópio. Hoje a Cannabis, entretanto, tem uso medicinal reconhecido em muitos estados norte-americanos e em outros países.

Qual a fronteira conceitual estrita, no entanto, que separa essas drogas? LSD, DMT ou MDMA, não possuem usos terapêuticos? O que é recreacional e o que é terapêutico? Esse último campo deve estar submetido apenas a monopólios de especialistas ou deve também abranger um amplo uso de técnicas de auto-cura?

Pretendo, neste texto, defender um regime mais “equalizador” em relação aos três tipos de substâncias mencionadas e, ao mesmo tempo que antiproibicionista, mais severo em relação a interdição da publicidade e da facilidade do acesso. Como “substâncias essenciais” devem ser objeto de um tipo de emprendimento que não permita a intensificação do estímulo contínuo ao consumo e, consequentemente, lucros sempre crescentes, inerentes ao interesse privado. Defendo assim, a criação de um “fundo social” constituído com o faturamento de um mercado legalizado e estatizado de produção de drogas psicoativas em geral, tanto as ilícitas como as legais.

A indústria farmacêutica no seu conjunto concentra alguns dos maiores grupos empresariais do planeta. Hiperconcentrada, hiperlucrativa e em acelerado crescimento nas últimas décadas (faturou 773 bilhões de dólares em 2008 ). Estreitamente vinculada ao setor de produção de sementes transgênicas e agrotóxicos, a indústria farmacêutica fundiu-se com a indústria de alimentos por meio de várias compras e fusões empresariais. O ramo do tabaco também está imbricado com o setor alimentar e farmacêutico.

A última ameaça global pandêmica da gripe suína representou um crescimento ainda mais explosivo da indústria farmacêutica que já era um dos mais expansivos e poderosos.

Assim como ocorre com outros mercados, ele se reveste de uma hipertrofia excessiva nos países centrais e de uma carência enorme nos países periféricos.

A África tem apenas 1% do mercado farmacêutico, embora tenha epidemias como a da Aids que necessitariam enormemente de medicamentos. Desde o início do século XXI, a África do Sul ameaçou desafiar o regime de patentes que impedia a venda barata de produtos monopolizados por grandes laboratórios e começar a produzir genéricos num laboratório indiano. A patente do retroviral stavudine pertence a universidade de Yale (e rende 90% dos royalties dessa universidade, várias centenas de milhões de dólares), mas ela a cedeu em exclusividade para o laboratório Squibb (BMS), que após uma grande disputa ofereceu o medicamento a um preço menor para os africanos mas sem quebrar o seu monopólio.

Esse monopólio de patentes como direito de propriedade intelectual representa uma forma de exclusivismo na circulação do conhecimento e é um dos pilares da forma atual de funcionamento do comércio internacional que favorece a acumulação de capital em detrimento dos interesses sociais da maioria da humanidade.

Existem prerrogativas que garantem quebras de monopólios de patentes (cuja duração é de vinte anos), como uma epidemia ou a segurança nacional, mas mesmo no caso recente da pandemia da gripe H1N1 não se colocou em causa a quebra da patente do Tamiflu e os medicamentos continuam a ser produtos caríssimos e sua obtenção não está incluída nos planos de saúde.

Sabe-se que ao menos 1/4 de todos os remédios da indústria farmacêutica derivam de saberes fitoterápicos tradicionais que identificaram a maior parte das plantas medicinais e alimentares . Os povos do mundo, entretanto, não recebem royalties e nem tampouco nunca lhes ocorreu monopolizar esse saber de forma implacável como faz a indústria farmacêutica.

Dentre o conjunto dos medicamentos (que totalizam em média cerca de 15% dos orçamentos de saúde nos países centrais), se destacam os chamados de psicoativos, que são os indicados para os estados de humor, como promoção da alegria e combate à tristeza, para os problemas mentais, como ansiedade ou falta de concentração, para o aumento do desempenho intelectual ou físico, para a tranquilização, sedação e analgesia, para a excitação sexual, etc.

Existem, assim, três circuitos de circulação de drogas psicoativas na sociedade: o das substâncias ilícitas, num mercado paralelo e clandestino, cujo volume é calculado em torno de 400 bilhões de dólares, basicamente os derivados de algumas das plantas mais tradicionais da história da humanidade: a coca, a canábis e a papoula. Cada vez mais cresce também um número de centenas de moléculas sintéticas novas que vem sendo desenvolvidas nos últimos anos em laboratórios clandestinos. O montante do faturamento e as consequências sociais em geral associadas a essas drogas, como a violência e alto índice de aprisionamento, decorrem não do efeito específico das substâncias mas, sobetudo, da sua condição de ilegalidade.

O circuito das substâncias lícitas de uso recreacional, como o tabaco, as bebidas alcoólicas e cafeínicas, é regido pela legalidade trazendo assim problemas relacionados ao uso abusivo ou excessivo e seus efeitos sociais, mas não uma violência intrínseca. É um mercado poderoso, de grandes multinacionais associadas à indústria da alimentação, mas também conhece micro-produtores domésticos ou artesanais. Todas estas substâncias já foram objeto de perseguição e tentativas de proibição, que, no caso do álcool, provocaram os problemas ligados à chamada “lei seca” que vigorou de 1920 a 1933 nos Estados Unidos.

O circuito que mais notável nas últimas décadas, entretanto, foi das substâncias da indústria psicofarmacêutica, chamados de remédios psicolépticos, psicoanalépticos e psicodislépticos. Desenvolvido especialmente a partir do segundo pós-guerra, é o mais rentável e o que mais tem crescido: é o de circulação mais volumosa, com maior número de consumidores e com o maior faturamento. Seus grandes fundamentos são o sistema de patentes, o monopólio médico da prescrição, um mercado publicitário dirigido para quem toma a droga mas também corruptor de quem a ministra (laboratórios que convencem médicos a receitarem os seus produtos). Sua outra contrapartida indispensável é a proibição concomitante do uso de diversas plantas psicoativas de uso tradicional que também podem ter funções psicoterapêuticas em medicinas tradicionais tais como a canábis, a papoula e a coca, que passaram a ser substituídas por pílulas farmacêuticas.

O que esse mercado em geral das substâncias psicoativas controla é nada mais nada menos que os mais eficientes instrumentos na luta contra o sofrimento e a na busca da alegria. As drogas, não importa se fluoxetina, álcool ou maconha, o que oferecem, e essa a razão pela qual são usadas, é a amenização da dor e a intensificação do prazer. E essa promessa elas de fato a cumprem, cada uma nas suas limitações e com o seu preço, mas elas não enganam a humanidade há tantos milênios e sim lhe trazem aquilo que nelas é buscado. Sem o ópio, por exemplo, a humanidade teria tido um sofrimento indescritivelmente superior.

Hoje, numa era industrial de aumento de tensões e de sofrimentos psíquicos diversos e complexos, deixando de lado as plantas tradicionais, contamos com centenas de moléculas puras para os mais diversos efeitos. A indústria farmacêutica busca ampliar o seu monopólio, substituindo usos de plantas tradicionais por fármacos patenteados, e colonizando cada vez mais a vida cotidiana, oferecendo novos “remédios” para as mais diferentes esferas comportamentais.

O maior número de usuários e dependentes de drogas na sociedade contemporânea são os consumidores de produtos da indústria farmacêutica. As drogas de farmácia também tem usos variados que podem ser benéficos ou nocivos, equilibrados ou abusivos. Uma parte dos consumidores faz uso abusivo. Uma média de um terço das intoxicações que ocorrem no país, por exemplo, são devidas a drogas da indústria farmacêutica, numa proporção muito maior do que as que ocorrem por causa do uso abusivo de substâncias ilícitas.

Artigo recente do jornalista Ruy Castro, na FSP (28/12/09) , lembrava, a propósito da morte da atriz Brittany Murphy, que muitos outros artistas, citando Carmem Miranda, Marilyn Monroe, Judy Garland, Elvis Presley e Michael Jakson, assim como ela, sofreram do uso excessivo de remédios legais que os levaram a morte, ou seja, morreram do uso de seus “remédios”.

Só no Brasil, há mais de 32 mil rótulos de medicamentos com variações de 12 mil substâncias (a OMS considera como realmente necessários uma lista de 300 itens), vendidos em mais de 54 mil farmácias (uma para cada três mil habitantes, o dobro da recomendação da OMS) .

Uma parte cada vez maior destas drogas são substâncias psicoativas, entre as principais: os antidepressivos, as anfetaminas, os benzodiazepínicos, e muitos outros mais. Nos anos de 2008 e 2009 o segundo medicamento mais vendido no Brasil vem sendo o benzodiazepínico Rivotril (cf. IMS Health, o primeiro é uma pílula anticoncepcional).

A dependência de remédios, uma forma de consumo compulsivo chamada as vezes popularmente de “hipocondria” é uma característica marcante da relação das pessoas com as drogas. Por serem, por vezes, receitadas por um médico são chamadas de “remédios”, mas o seu resultado é exatamente o mesmo de qualquer outro consumo compulsivo, podendo levar à efeitos daninhos para o organismo e à dependência e tolerância.

Queixas de mal-estares vagos em pronto-atendimentos são medicadas comumente com benzodiazepínicos, especialmente se as pacientes forem mulheres e donas-de-casa. O uso de moderadores de apetite não só para diminuição de peso mas como estimulante também se propaga ao ponto do Brasil ser um dos maiores mercados mundiais.

O uso de certos produtos farmacêuticos como drogas para outras finalidades, que não as indicadas, devido a seus efeitos colaterais também é comum: xaropes para tosse com codeína, remédios para dor de cabeça como Optalidon, para mal de Parkinson como Artane ou mesmo de analgésicos para combater dores mais psíquicas do que propriamente orgânicas.

O uso de doses inapropriadas de drogas comuns pode ser extremamente perigoso, é o caso de overdoses de aspirina que um estudo recente de Karen M. Starko apontou poder ser responsável por parte dos mortos na época da epidemia da gripe espanhola em 1918 .

Durante a epidemia da gripe suína, chegou a se proibir a veiculação de publicidade de antifebris para não haver indução à medicação excessiva, desnecessária e muitas vezes perigosa.

Muito além do simples e indefinível efeito farmacológico objetivo todo remédio também é uma representação que se autoreforça por meio do efeito placebo inerente à todo medicamento. O que se vende com o mercado de drogas são modos de produção da subjetividade. Assim o fazem os usuários que as inserem em contextos sociais, cerimoniais e até rituais. Também assim o consideram as agências publicitárias que, ao promoverem álcool, tabaco ou remédios vendem estados de espírito, vendem modelos de felicidade da alma, humor em pílulas. Mais do que venderem, exacerbam, pois, conforme a hipnótica cantilena publicitária, só há requinte com um cigarro na mão, só há festa com cerveja e decotes generosos, só há felicidade plena com o sono, a ansiedade e a tristeza geridos por meio de doses de pílulas ou elixires.

Por isso os orçamentos administrativos e de marketing das indústrias farmacêuticas são muito maiores que os de pesquisa, que sempre param após o lançamento do fármaco no mercado não havendo acompanhamento exaustivo de seus efeitos previstos e colaterais nas populações usuárias de longo prazo.

De toda a indústria farmacêutica, a das drogas psicoativas é não só uma das mais lucrativas como a que teve um papel mais significativo na sua influência cultural.

O que pouco se percebe é que paralelamente à emergência de um proibicionismo de certas drogas ocorreu uma exacerbação na compulsão ao consumo de fármacos industriais (assim como também o de alimentos e outras mercadorias).

Os anti-psicóticos, soníferos, tranquilizantes, ansiolíticos e anti-depressivos despontaram desde os anos 1950 como carros-chefes não só da indústria, como de estilos de vida, em que o uso de pílulas tornou-se um hábito considerado normal, não só como suplementos vitamínicos ou fortificantes mas como reguladores mentais, moduladores psíquicos, capazes de alterar o humor, o sono, a tensão e a motivação.

Junto a cada um dos novos fármacos se construiu uma entidade nosológica nova para a qual cada medicamento seria o específico terapêutico. O erro central dessa visão psicofarmacêutica era considerar o sintoma (por exemplo, a depressão) como a doença. Ao invés de oferecer uma interpretação do seu sofrimento e de suas causas, uma “narrativa” que lhe desse sentido, como diz David Healy, passou a se oferecer (vender, melhor dizendo) uma pílula miraculosa. Este médico e professor de Medicina Psicológica fez uma análise da emergência da depressão como um quadro clínico e nosológico desde os anos de 1950 e da concomitante ascensão dos medicamentos antidepressivos como mercadorias de alta lucratividade numa das indústrias que mais floresceu desde o segundo pós-guerra, em The Antidepressant Era (1997), que é um livro importante para a compreensão dos múltiplos significados dessa era de novas drogas e novas políticas sobre drogas que abrangem não apenas o universo médico strito sensu, como também a vida cotidiana medicalizada e farmacologizada cada vez mais.

A própria técnica publicitária nasce, desde o final do século XIX, fortemente ligada à venda de medicamentos, tônicos, fortificantes, etc., vendendo estilos de vida mais do que os produtos em si. Até hoje, o setor da venda de drogas (seja álcool, tabaco ou remédios) representa uma das maiores fatias do mercado publicitário internacional e brasileiro.

Além dos barbitúricos, para sedação, a grande inovação desde os anos 50 foram remédios contra a depressão, tais como imipramina, lançada em 1957 sob o nome de Tofranil, depois a amitriptilina, lançada em 1961. Nem sequer o escândalo da talidomida, lançada como sedativo e tranquilizante, em 1957, e responsável por mais de seis mil casos de má formação fetal em grávidas que o usaram, desestimulou o crescente mercado do consolo e do apaziguamento psíquico.

Nos anos 80 e 90 a fluoxetina, sob o nome de Prozac, se tornou um dos medicamento psicoativos a vender muitos bilhões de dólares e foi o emblema de uma época onde a indústria farmacêutica criava uma nova cultura de dependência de drogas ao mesmo tempo que se desencadeava uma guerra sem quartel contra algumas drogas ilícitas, muitas delas plantas de usos tradicionais milenares.

Recentemente, a própria suposta eficácia dos anti-depressivos foi questionada pois nem todos os estudos realizados são publicados e, mesmo entre os publicados, a diferença entre o efeito dos placebos comparado ao efeito dos fármacos é muito pequena nos casos majoritários de depressões leves .

O uso, entretanto, de psicoativos como anti-depressivos, entre outros, inclusive infantil, aumentou vertiginosamente para um conjunto infinito de condutas a serem supostamente corrigidas pelo medicamento, desde enurese noturna até hiperatividade, de insônia a ansiedade, de “pânico social” à “síndrome do pânico”, dentre os tantos novos rótulos que surgem para configurar supostos quadros nosográficos. A OMS profetiza que em algumas décadas a depressão será a doença mais incapacitante do mundo, o que por si já é revelador da situação de insustentabilidade que vive o sistema econômico capitalista. Recentemente surgiu até mesmo uma versão veterinária do Prozac para cães.

O uso de drogas na sociedade cresce sobretudo por meio dos remédios legais, cuja publicidade incita a um consumo fetichizado e hipocondríaco, na busca de panacéias químicas para mal-estares sociais e psicológicos.

Uma política realmente democrática em relação às drogas psicoativas seria aquela que legalizasse todas, submetendo-as a um mesmo regime, não importa se remédios sintéticos ou derivados de plantas tradicionais, mas aumentasse a severidade dos controles, distintos para cada substância. Toda publicidade em veículos de mídia destinados ao público em geral deveria ser proibida e a fiscalização e punição para consumos irresponsáveis, como ao volante, por exemplo, de álcool ou outras drogas, deveria ser rígida.

Outra medida necessária seria a estatização da grande produção e do grande comércio, de forma a evitar que corporações gananciosas dominassem o mercado e para garantir que todos os lucros desse comércio fossem direcionados para fins sociais, inclusive para programas de desabituação para os consumidores problemáticos que necessitassem. Nesse sentido, além de uma política em favor dos genéricos e da quebra das patentes, o estado deveria garantir a fabricação de todos os fármacos indispensáveis oferecendo-os ao menor preço possível e aplicando os lucros obtidos no interesse social. Um amplo programa de pesquisa com financiamento e destinação pública, poderia assim estimular também o desenvolvimento de novos fármacos.

Isso deveria se aplicar tanto aos remédios fisiológicos como aos psicoativos da indústria farmacêutica, como também ao álcool, ao tabaco e às substâncias hoje consideradas ilícitas. A legalização da maconha, da cocaína e de todas as drogas, sob controle estatal do grande atacado e produção afastaria o atrativo para o crime organizado, permitiria maior monitoramento dos usos problemáticos e encaminhamento dos necessitados a tratamentos que poderiam ser financiados e oferecidos no serviço público de saúde pela própria renda gerada pela venda legal.

Porque não criar-se um Fundo Social resultado não apenas de impostos, mas do controle econômico estatal da grande produção e circulação de drogas, remédios, bebidas e cigarros? O conjunto do faturamento obtido poderia servir para custear o orçamento de Saúde Pública.

É claro que há um campo imenso de iniciativas individuais, familiares, comunitárias e microempresarias que poderiam ser não só mantidas, mas estimuladas no campo do cultivo e da produção dessas substâncias. Tanto bebidas como vinhos, cervejas ou aguardentes, como cultivadores de fumos de qualidade, ou de “canabicultores”, deveriam ser estimulados com apoio creditício e fiscal.

O conjunto das drogas legalizadas acabaria com os efeitos nefastos do chamado “narcotráfico”, encerraria a “guerra contra as drogas”, libertaria os prisioneiros dessa guerra: em torno de metade da população carcerária tanto nos EUA como no Brasil. O crescimento vertiginoso do encarceramento por drogas que vem servindo como a principal fonte de lucros para o sistema penal privado norte-americano e como mecanismo de repressão social e racial contra os pobres e os afrodescendentes seria detido. Reduziriam-se os danos sociais dos usos problemáticos de drogas e estes poderiam ser amenizados. Se potencializariam os usos positivos, tanto terapêuticos como recreacionais.

Os fármacos em geral, e os psicofármacos em particular, oferecem um florescente futuro, com inúmeras novas moléculas podendo ser inventadas, além dos usos diversos que já se podem fazer das substâncias existentes, o que amplia um repertório capaz de ser usado para fins terapêuticos, lúdicos, recreacionias, devocionais, de reflexão filosófica, de auto-conhecimento e de regulação humoral (os timolépticos), mas também podendo ser usado de formas autodestrutivas, excessivas, abusivas e descontroladas. Uma cultura da autonomia responsável supõe o uso consciente do potencial de todos os fármacos, que, como os alimentos, são os produtos da cultura material que ingerimos para finalidades úteis ao nosso corpo.

Usar as “tecnologias de si” de forma construtiva significa por um lado acabar com a “guerra contra as drogas” e o proibicionismo demonizante de certas substâncias, mas, por outro, significa recusar os efeitos alienantes de uma cultura publicitária que faz da saúde um negócio e da necessidade das drogas um mercado oligopólico global.

(*): Henrique Carneiro é doutor em História pela USP e membro do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP). Estuda a questão das drogas e atua contra a proibição desde seus tempos de militância estudantil, nos anos 1980. Já publicou, entre outras obras, os livros "Álcool e drogas na história do Brasil" e "Pequena Enciclopédia da história das drogas e bebidas".

Bibliografia:

BALICK, Michael J.; e COX, Paul Alan, Plants, People, and Culture. The Science of Ethnobotany, N. York, Scientifican American Library, 1997.

HEALY, David, The Antidepressant Era, 1997, Harvard University Press, 1997.

IMS HEALTH www.imhshealth.com

MOYNIHAM, Ray; e CASSELS, Alan, “Comerciantes de enfermedades” in Le Monde Diplomatique Ed. Chilena, Santiago, 2006.

RUDGLEY, Richard, Essential substances. A cultural history of intoxicants in society, N. York, Kondansha, 1993.

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Expressão adotada por Richard Rudgley para denominar as drogas psicoativas em Essential substances. A cultural history of intoxicants in society (N. York, Kondansha, 1993).

Cf. IMS Health, 2009.

Michael J. Balick e Paul Alan Cox, Plants, People, and Culture. The Science of Ethnobotany, N. York, Scientifican American Library, 1997,p.25.

Ruy Castro, “Vale das bolinhas”, FSP, 28/12/2009, p.2.

Jomar Morais, “Viciados em remédios”, Superinteressante, nº 185, fevereiro de 2003, p.44.

“Aspirina pode ter tido um papel na epidemia de gripe de 1918”, Nicholas Bakalar (NYT), in FSP, 13/10/2009.

“Effectiveness of antidepressants: an evidence myth constructed from a thousand randomized trials?”, John P. A. Ioannides, in Philosophy, Ethics, and Humanities in Medicine, 3:14, 27 de maio de 2008.