"O consumo moderado de maconha não provoca nenhum dano sério à saúde"

"Nunca, em 5000 anos de história, foi relatado um caso sequer de morte provocado pelo consumo de cannabis"






Absurdo juridico

A imposição de sanção penal ao possuidor de droga para uso próprio conflita com o Estado Constitucional e Democrático de Direito (que não aceita a punição de ninguém por perigo abstrato e tampouco por fato que não afeta terceiras pessoas).

Vejamos: por força do princípio da ofensividade não existe crime (ou melhor: não pode existir crime) sem ofensa ao bem jurídico.
(cf. GOMES, L.F. e GARCIA-PABLOS DE MOLINA, A.Direito


legalize canabis sativa
medicinal e recreativa

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Uma guerra sem sentido

No amanhecer da sexta-feira da Semana
Santa de 2004, 60 membros de uma
facção armada, carregando fuzis e metralhadoras,
vestidos de preto e usando
coletes à prova de bala, saíram da favela
do Vidigal, no Rio de Janeiro. Eles desceram do
morro, roubaram diversos carros no asfalto matando
uma mulher que tentou fugir com seu carro
e foram em direção à favela da Rocinha, que fica
a poucos quilômetros de distância dali. Ao chegar,
desfecharam um ataque sobre a facção local para
obter pela força o controle das “bocas de fumo”
como são conhecidos os pontos de venda a varejo
de maconha e cocaína mais lucrativas da cidade,
que gera cerca de 3,5 milhões de dólares por
mês para a gangue que a controla. Embora conflitos
como esses não sejam incomuns nas mais de
700 favelas no Rio, desta vez a violência chegou às
manchetes internacionais.
O ataque e a subseqüente incursão da polícia prosseguiram
até segunda-feira, quando mais de 1.200
policiais militares invadiram as duas favelas, tentando
acabar com a disputa que deixou um saldo de
10 pessoas mortas, entre transeuntes inocentes,
membros das gangues e policiais. Enquanto isso, tiroteios
esporádicos entre os bandidos e a polícia
partiu a cidade em duas durante o feriado da Semana
Santa, já que ambas as favelas se situam numa região
que separa os ricos bairros da Zona Oeste da
Zona Sul onde estão localizadas Copacabana e Ipanema,
com suas famosas praias e do Centro da cidade.
Enquanto naquele fim de semana os prósperos
habitantes da Zona Oeste não sabiam como
iriam chegar aos seus escritórios, na semana seguinte,
muitos residentes da Rocinha uma das maiores
favelas da América Latina, com cerca de 150.000
habitantes não conseguiam nem mesmo regressar
aos seus modestos barracos.
O tiroteio ainda nem havia cessado, quando o vicegovernador
do Rio, Luiz Paulo Conde, propôs que
se cercasse a favela da Rocinha com um muro de
três metros, indicativo de que a violência havia atingido
um nível por demais perturbador para as classes
privilegiadas. A proposta foi duramente criticada
e rapidamente retirada de pauta, pois criaria
apenas “apartheid social”, quando o que as comunidades
carentes precisam é de investimentos. Entretanto,
ela demonstra uma atitude inerente das autoridades,
que simplesmente abandonaram as favelas,
gerando um vácuo de poder que é preenchido
por gangues que encontraram uma lucrativa forma
de ganhar dinheiro na indústria das drogas ilícitas.
Os níveis de violência no Rio são comparáveis aos
de uma zona de guerra. A cada ano as armas matam
mais jovens com menos de 18 anos no Rio do
que em regiões mais tradicionalmente conhecidas
por seus conflitos, como Colômbia. No conflito
entre judeus e palestinos, por exemplo, 467 menores
morreram em conseqüência da violência armada,
entre 1987 e 2001, enquanto no mesmo período
as balas mataram 3.937 jovens apenas no Estado
do Rio, segundo um estudo sobre jovens envolvidos
nas disputas territoriais travadas entre facções
do tráfico.1 Além disso, muitos habitantes das favelas
estão vivendo de fato em territórios ocupados,
dominados pelos autoproclamados chefes da comunidade,
enquanto o estado em grande parte se ausenta
na promoção de segurança e de condições
sociais e habitacionais adequadas.
O Brasil é o segundo maior país consumidor de
cocaína do mundo, depois dos EUA, e as drogas intensificam
os tremendos problemas sociais e de violência
criminal do país. Estima-se que, apenas na
cidade do Rio de Janeiro, cerca de 10.000 pessoas
estão envolvidas na distribuição local de drogas. De
acordo com um estudo da Organização Mundial do
Trabalho, muitas dessas são crianças.2 Originam-se
dos mais pobres dos pobres. A maioria delas ingressa
e permanece nas gangues de drogas para obter
prestígio e poder e ganhar dinheiro para comprar
os objetos que de outra forma não poderiam possuir.
Acabam inebriadas pela adrenalina do dia-a-dia
do tráfico de drogas, desfrutando os confrontos
armados com a polícia ou grupos rivais, como também
demonstrando força e destemor. Os laços
com a gangue são um fator importante e, depois
de um tempo, é quase impossível abandonar a rede
social, porque os envolvidos sabem demais e se
tornaram conhecidos dos grupos rivais e da polícia.
Alguns ingressam com apenas oito anos de idade.
Depois de entrar para a gangue, grande parte
deles morre dentro de um ano.
Tornando o problema ainda maior, existe uma disseminada
corrupção policial e colaboração com as
gangues de drogas, além de excessiva violência policial.
A luta contra a violência no Brasil é caracterizada
pelo emprego abusivo e indiscriminado da
força e desrespeito aos direitos humanos, de parte
dos efetivos policiais, que operam na certeza da
impunidade, de acordo com o sociólogo Geraldo
Tadeu M. Monteiro.3 Enquanto entre 1997 e 2003
a força policial aumentou em 45%, entre 2001 e
2003, o número de prisões decresceu 31%. Ao
mesmo tempo, o número de mortes resultantes
de “resistência à prisão” aumentou 236% entre
1998 e 2003, calculou Monteiro. Em média, as vítimas
tinham 4.3 ferimentos de bala, dos quais 61%
localizados na cabeça. As execuções sumárias parecem
ser o método preferido da polícia carioca.
A “guerra contra o crime” tem resultado apenas
numa escalada de violência, e parece claro que a
tarefa não pode ser deixada nas mãos das forças
de segurança, sem que haja antes uma completa reforma
da polícia. Devido ao fracasso da polícia no
enfrentamento da violência, os militares estão sendo
enviados às favelas.
Não são apenas os centros urbanos brasileiros que
estão sujeitos a elevados níveis de violência. No
Nordeste, no chamado “polígono da maconha”, localizado
nos estados de Pernambuco e Bahia, os níveis
de violência são às vezes ainda maiores, por
conta das brutais disputas pela terra e dos conflitos
relacionados ao cultivo ilícito de maconha. De
acordo com o Ministério Público do Trabalho do
Estado de Pernambuco, existem 40.000 trabalhadores
rurais nas plantações de maconha, e muitos são
forçados a trabalhar nesse plantio pelas gangues
criminosas. Entre estes, 10.000 são crianças e adolescentes.
É claro que a indústria de drogas ilícitas
não é o xis do problema, mas também é claro que
as atuais políticas de controle de drogas intensificam
a violência associada aos conflitos sociais, na
sociedade brasileira.
Nesta edição de Drogas & Conflito, o cenário da
violência relacionada às drogas nas áreas de cultivo
de maconha localizadas no Nordeste, assim
como nas favelas do Rio, é descrito por Jorge Atílio
Iulianelli e Paulo César Fraga, enquanto Luiz Paulo
Guanabara faz uma crítica da nova lei de drogas
aprovada pela Câmara e hoje em tramitação no
Senado (outubro de 2004). Embora essa lei seja um
passo à frente no sentido de se buscar uma clara
distinção entre um traficante de drogas e um usuário,
permanece a dúvida se tratará efetivamente do
problema, dado o seu âmbito limitado.
Seria um erro, no entanto, limitar o problema à pobreza
e à desigualdade que levam alguns a encontrar
na indústria de drogas ilícitas o seu meio de subsistência.
Em 2000, uma Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) sobre o narcotráfico revelou, em um
grande número de casos, o envolvimento de pessoas
que certamente podem ser classificadas como
“colarinho branco”. O relatório recomendava o indiciamento
de três membros do Congresso nacional,
diversos deputados estaduais, empresários, advogados,
ex-juízes e ex-policiais e um punhado de
gente importante.
Relutantemente, mas cada vez mais, o Brasil é arrastado
para a militarizada “guerra às drogas” do
continente, de inspiração americana. O Brasil é uma
importante rota para drogas produzidas nos vizinhos
Colômbia, Bolívia e Peru, em trânsito para os
EUA e Europa. Um dos chefões da droga mais importantes
do Rio, Fernandinho Beira-Mar, foi preso
na Colômbia, no que as autoridades descreveram
como uma transação armas-por-drogas,
envolvendo guerrilheiros das FARC. O Brasil está
envolvido com o conflito colombiano por meio do
compartilhamento de inteligência e de uma escalada
de atividades militares e policiais na fronteira,
com o objetivo de deter o tráfico de armas e de
drogas e impedir um derramamento da violência colombiana
no país. As forças militares e policiais são
reforçadas numa inútil tentativa de monitorar a infindável
fronteira com a Colômbia e com o Peru.
O Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM) que
utiliza estações de radar, reconhecimento aéreo e
informações de satélite para monitorar o tráfego
aéreo, o movimento marítimo, as atividades de fronteira
e para interceptar comunicações, foi todo implementado
recentemente. Embora originalmente
projetado para proteger a floresta amazônica de diversos
tipos de depredação ambiental, ele agora
também será usado para impedir a entrada no Brasil
de aviões transportando drogas, e fornecer informação
em tempo real para unidades de fronteira.

Não existe pena de morte no Brasil, e, embora
o governo afirme que não, alguns especialistas e articulistas
em direito sustentam que a medida resulta
de fato na execução de traficantes de drogas. “Os
problemas éticos e jurídicos levantados pela regulamentação
da Lei do Abate são muito maiores do
que os benefícios que essa medida extrema pode
trazer”, diz o editorial do influente diário O Estado
de São Paulo. “Essa pena será aplicada ao arrepio
da Justiça, por decisão administrativa do comandante
da Aeronáutica, que terá poder de vida e
morte sobre as tripulações e passageiros dos aviões
em vôo irregular.” As sugestões do ex-secretário
antidrogas Wálter Fanganiello Maierovitch, de
que se investigassem as compras suspeitas de aeronaves
e se detivessem os aviões, as drogas e os
pilotos na aterrissagem, foram desconsideradas.5
O sistema brasileiro para vigiar suas fronteiras e
a bacia amazônica é semelhante à infra-estrutura
militar que o Comando Sul dos EUA montou na
região, por intermédio da instalação dos chamados
postos avançados de operação (Forward
Operating Locations FOLs, na sigla em inglês) no
Ecuador, Aruba, Curaçao e El Salvador, complementadas
por bases militares domésticas e postos
de radares nas regiões caribenha e andina. Projetadas
inicialmente para interditar o comércio de
drogas ilícitas na região, seus limites foram ampliados
para incluir contra-insurgência e contra-terrorismo,
e outras metas de longo alcance da política
externa americana, tais como a garantia do
acesso aos recursos naturais, especialmente ao petróleo.
6 Apesar da relutância do Brasil em se envolver,
parece ser apenas uma questão de tempo
antes de os sistemas estarem integrados.
No entanto, a militarização da guerra às drogas, especialmente
nas vizinhanças pobres e nas áreas rurais,
será um tiro pela culatra, a não ser que os programas
de repressão sejam cuidadosamente
elaborados em combinação com políticas abrangentes
que levem em consideração a segregação
social e os extremos níveis de desigualdade existentes
no Brasil. No plano geopolítico, o Brasil tende
a ser cada vez mais arrastado para uma guerra
às drogas que não tem apresentado quaisquer resultados
significativos: a cocaína, por exemplo, continua
disponível em abundância, com preços cada
vez menores. Por outro lado, ela gerou uma devastação
ambiental com as fumigações de herbicidas
sobre as plantações de coca, que podem afetar a
Amazônia brasileira, e está instigando o cruel conflito
interno na Colômbia e inquietação social no
Peru e na Bolívia.
Não há dúvida de que é preciso com urgência uma
nova abordagem para o controle de drogas. Isso deveria
ser uma tarefa para o governo de centroesquerda
do presidente Luiz Inácio ‘Lula’ da Silva, que,
desde que assumiu o poder em janeiro de 2003, tem
simplesmente dado continuidade às políticas de seus
antecessores nesta área. O assunto está intimamente
relacionado às questões de fome e de pobreza
com as quais o governo de Lula se comprometeu.
O Brasil demonstrou liderança nas negociações
conduzidas no âmbito da Organização Mundial do
Trabalho, para a formação de uma coalizão de reforma
da atual ordem econômica internacional. Em
seu discurso na 59ª Assembléia Geral das Nações
Unidas, Lula disse: “Poderosa e onipresente, uma engrenagem
invisível comanda à distância o novo sistema.
Não raro, ela revoga decisões democráticas,
desidrata a soberania dos Estados, sobrepõe-se a
governos eleitos, e exige a renúncia a legítimos projetos
de desenvolvimento nacional.”
Ele poderia muito bem estar se referindo ao atual
regime global de controle de drogas, que não conseguiu
abordar o problema de uma forma humana
e é utilizado para impor políticas que alimentam
conflitos e miséria. O Brasil deveria seguir apenas
o seu próprio exemplo. O país resistiu com sucesso
à oposição de grandes companhias farmacêuticas
e do governo dos EUA às suas políticas de redução
de danos para usuários de drogas injetáveis,
quando comercializou medicações de baixo custo
produzidas localmente, driblando desse modo as patentes
que impediam uma efetiva política de saúde
pública para HIV/AIDS. A política brasileira de redução
de danos tem sido aclamada como uma das
mais bem-sucedidas do mundo. Em coalizão com outras
nações orientadas para a reforma, o Brasil poderia
ajudar a construir uma política de redução de
danos na área de controle de drogas, englobando
toda a cadeia que vai da produção ao consumo uma
política na qual a cura não é pior que a doença.
E d i t o r i a l
1 Crianças Combatentes em Violência Armada Organizada: um estudo de crianças e adolescentes envolvidos nas disputas territoriais das facções de drogas no Rio de Janeiro, Luke Dowdney, ISER/Viva Rio, Rio: 2002. 2 Crianças no narcotráfico: Um diagnóstico rápido, Jailson de Souza e Silva e André Urani, Organização Internacional do Trabalho; Ministério do Trabalho e Emprego, Brasília: 2002. (http://www.ilo.org/public/por tugue/region/ampro/brasilia/info/download/ livro_narcotraf.pdf) T N I 4 Drog a s e C o n f l i t o n o 1 1 – N ovembro de 2004
3 As forças de insegurança, Geraldo Tadeu Moreiro Monteiro,O Globo, 23 Julho de 2004. 4 Sivam já abastece a PF com informações, Folha de São Paulo, 2 Novembro de 2003.
T N I Dro g a s e Co n f l i t o n o 1 1 – Nov emb ro d e 2 0 0 4
4 Em junho de 2004, o Senado aprovou uma lei que permite às forças armadas assumir funções policiais na luta contra as drogas. Em julho, foi sancio- nada a chamada Lei do Abate, que dá poderes à força aérea brasileira para derrubar qualquer aeronave não identificada suspeita de contrabandear drogas. A constitucionalidade da lei está sendo questionada.
5 A Lei do Abate, editorial O Estado de São Paulo, 21de julho de 2004.
6 Ver Forward Operating Locations in Latin America: Transcending Drugs Control, TNI Drugs & Conflict, no. 8, setembro de 2003.
T
N
I
6 Drog a s e C o n f l i t o n o 1 1 – N ovembro de 2004
MAPA

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