"O consumo moderado de maconha não provoca nenhum dano sério à saúde"

"Nunca, em 5000 anos de história, foi relatado um caso sequer de morte provocado pelo consumo de cannabis"






Absurdo juridico

A imposição de sanção penal ao possuidor de droga para uso próprio conflita com o Estado Constitucional e Democrático de Direito (que não aceita a punição de ninguém por perigo abstrato e tampouco por fato que não afeta terceiras pessoas).

Vejamos: por força do princípio da ofensividade não existe crime (ou melhor: não pode existir crime) sem ofensa ao bem jurídico.
(cf. GOMES, L.F. e GARCIA-PABLOS DE MOLINA, A.Direito


legalize canabis sativa
medicinal e recreativa

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Nova equação para as drogas

O filósofo, matemático e ex-prefeito de Bogotá, Antanas Mockus, fez os cálculos: proibição legal de drogas mais aceitação social das mesmas, não é igual à diminuição do consumo. Por isso apoiou a proposta de legalização do consumo da maconha, formulada pela Comissão Latino-americana sobre Drogas e Democracia, da qual faz parte junto com os ex-presidentes latino-americanos César Gaviria (Colômbia), Fernando Henrique Cardoso (Brasil) e Ernesto Zedillo (Mèxico).

O homem que implementou temporariamente uma lei seca em que era proibida a venda de bebidas alcóolicas depois de uma da madrugada na capital colombiana, não se caracteriza por ser precisamente um anti-proibicionista. Na verdade, algumas das iniciativas da Cultura Cidadã, programa com o qual pretendeu reeducar os cidadãos de Bogotá, se baseiam no respeito à lei.

Então, o que fez com que Mockus apoiasse a proposta de descriminalizar o consumo desta droga? A ineficácia da lei e sua consequente deslegitimação, afirma. "Não se pode converter a lei em motivo de chacota como ocorre quando a sociedade e o indivíduo sabem que o Estado não pode garantir o cumprimento desta lei", explica.

Em outras palavras, para Mockus, no que diz respeito ao consumo da maconha, em primeiro lugar vem o autocontrole individual – quer dizer, que um jovem não consuma uma droga porque sua própia consciência o indique; em segundo lugar, aa censura social do consumo; e, em terceiro lugar, a intervenção do Estado, primeiro como agente educador e informador e, só em caso extremo, como agente punitivo.

O homem que se casou dentro de uma jaula de circo com sete tigres como ato simbólico, que propôs a economia doméstica de água reutilizando a água do chuveiro, que ensinou aos cidadãos de Bogotá a usar o cinto de segurança e respeitar os sinais de trânsito com a ajuda de atores caracterizados de mímicos e que baseou todas essas propostas na premissa de que "se todos põem, todos ganham", conversou com o Comunidade Segura durante sua visita ao Rio de Janeiro para o lançamento da declaração da Comissão.

Porque o senhor defende a legalização da maconha?

Uma pessoa jovem não deixa de consumir drogas por medo da lei. Não consume drogas porque sua consciência assim o diz ou porque o ambiente social lhe diz que o faça. Atualmente, o consumo de drogas é proibido por lei mas aceito socialmente. Temos que inverter essas premissas. Temos que manter algumas proibições legais mas é preciso fortalecer a proibição moral e cultural. Não vamos fomentar o consumo, ao contrário, vamos estimular a recusa social& às drogas.

Não desprezo a repressão, ela funciona, mas em um contexto pedagógico onde o jovem entenda que a lei foi utlizada porque era a última instância que restava à sociedade. O grande tropeço do proibicionismo foi não ter aprofundado a discussão e, por isso, a lei não é percebida como expressão da vontade geral, quer dizer, a lei ficou sendo somente uma lei sem respaldos cultural e moral suficientes.

Como evitar que aumente o consumo de drogas se elas forem legais?

Temos que trabalhar vários aspectos. Um deles é o emocional. A política repressiva lida com o medo e quando se é adolescente, às vezes o medo se transforma em um desafio. É muito diferente quando as decisões são tomadas com base na própria consciência – ou sentimento de culpa - e pelo medo da rejeição social. Quando eu me imagino um viciado, me vejo terrível aos meus próprios olhos e vejo também a rejeição dos outros e isso é bem mais poderoso.

Então, invertemos a ordem das coisas: já não é o medo de ser preso que me impede de consumir drogas, é o sentimento de culpa e a vergonha. Então, a culpa, a vergonha e o medo de ser preso, as três coisas juntas funcionam muito bem. Mas se você só tem medo da lei, pode jogar com isso, fugir da polícia e até encontrar um pouco de prazer em fazer algo culturalmente aceito mas proibido pela lei.

Com certeza, muitos jovens gostam de desafiar as autoridades…

Sím, e se establece uma estratégia de disputa com a lei. Por isso, criar cenários em que a lei e a cultura estão em aldos opostos – como ocorre com a droga que é legalmente inaceitável mas socialmente aceita -, possibilita o descumprimento da lei sem consequências sérias e a criação de grandes mercados para indústrias ilegais como a da droga.

Não devemos interpretar a ideia da comissão como uma ideia liberalizante, mas acredito que a função desta lei é ingênua, não é realista e temos que fazer muitas mudanças culturais e muita evolução moral para ter melhores resultados frente ao consumo.

E como realizar essa mudança de mentalidade?

O ser humano se orienta por interesses, razões e emoções e podemos dizer ao jovem: se você conhecer bem seus interesses de médio e longo prazos, terá certeza que não interessa cair no vício. Aí, o problema é fazer valer o futuro frente ao presente. A experimentação existe, os prazeres e desprazeres existem e ser experimentatdos na manhã seguinte ou em cinco anos. O jovem tem que aprender a construir a supremacia do futuro.

Como construir essa supremacia do futuro em uma sociedade imediatista?

A melhor metodología que connheço para isso é redigir um projeto de vida, colocá-lo na primera página de um diário e olhar este diário todos os dias se perguntando "o que quero fazer da vida" e construir um horizonte de longo prazo. Está claro que nem todos saberão o que irão fazer, eu mesmo vivi períodos de um ou dois anos em que se me preguntassem o que queria fazer depois, não tinha resposta, mas devemos lutar contra o imediatismo.

Que tipo de informações devemos transmitir aos jovens?

Temos que trabalhar muito para informar e racionalizar o tema. Mostrar aos jovens quais alterações bioquímicas e psicológicas ocorrem sob o efeito da droga e abordar o tema do vício. Nem todoa que experimentam drogas se tornam viciados mas e como uma roleta russa. Tem gente que joga e não acontece nada, mas isso não faz da roleta russa um jogo recomendável porque há uma probabilidade que não é igual a zero.

Temos que dizer ao jovem "se você é muito maduro psicologicamente, tem laços afetivos fortes, tem capital social, uma vida satisfatória e experimenta a doga, talvez não se torne um viciado, mas é só um talvez. Pode ser que algo em sua bioquímica faça com que se torne um viciado."

Na autobiografía de Obama tem algo nesse sentido. Alguns anos de desorden e experimentação depois dos quais ele decidiu que tinha que tomar a vida nas mãos e decide que para isso não poderia recorrer ao álcool e outros psicoactivos. Tem gente que experimenta e retorna, mas tem gente que não retorna. É verdade que a maconha é menos viciante do que a nicotina, mas não recomendo a ninguém correr o risco de se tornar um viciado.

Presos convivem com ratos e doenças em cadeias lotadas de SP

Por Kleber Tomaz

Celas onde deveriam ter dez presidiários são ocupadas por 40 pessoas.
Situação é crítica na unidade do Centro de Detenção Provisória Pinheiros 4.

Cadeias públicas, centros de detenção provisória, penitenciárias e manicômios prisionais projetados para ressocializar homens e mulheres que cometeram crimes no estado de São Paulo estão superlotados e colocam em risco a recuperação dessas pessoas. Presos que já deveriam ir para o regime semiaberto não vão por falta de vagas. Amontoados uns sobre os outros, eles têm de ficar em celas mofadas que podem ser ocupadas por até dez presos, mas acomodam 40. Alguns dormem em banheiros quebrados, tendo como travesseiros improvisados vasos sanitários sem descarga, com cheiro de urina e moscas ao redor. Muitos reclamam de banhos gelados, comida com fezes de ratos e baratas, alimentação vencida, presos doentes com tuberculose e Aids junto com os demais, falta de médicos e ausência de remédios.

Levantamento feito pelo G1 a partir de dados oficiais das secretarias da Segurança Pública e da Administração Penitenciária confirmam essa situação alarmante em números. Das 148 unidades da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP), 123 estavam superlotadas até o dia 11 de maio. No que diz respeito à Secretaria da Segurança Pública (SSP), 138 das 181 cadeias públicas tinham capacidade acima do permitido até novembro de 2009.

Segundo a Defensoria Pública do Estado de São Paulo e ONGs, as unidades prisionais verificadas estão servindo como verdadeiros depósitos de gente. Em alguns casos, estão sendo feitos pedidos de interdições judiciais ou de melhorias ao Estado. Quem sofre mais são os homens presos. Pela SAP, o Centro de Detenção Provisória 4 de Pinheiros, na Zona Oeste da capital, é o mais lotado do estado, com 1.116 presos a mais do que a capacidade permitida, o que representa 217% de superlotação. São 1.628 homens num espaço onde deveriam caber 512. Em relação à SSP, a cadeia pública de Piraju, a cerca de 400 km de São Paulo, era a que mais preocupava até 8 de junho, quando foi desativada por falta de condições a pedido do Ministério Público. Tinha 60 presos onde deveriam caber apenas oito, o que equivalia a 650% a mais do que o permitido.

Em relação às mulheres, a Penitenciária Feminina da Capital, administrada pela SAP em São Paulo, lidera o ranking das unidades prisionais para presas com capacidade acima da permitida. São 829 presidiárias ocupando um espaço destinado para 251 vagas. Ou seja, 578 mulheres a mais, mais de 230% da lotação. Pela SSP, a cadeia pública de Batatais, a 353 km de SP, é a mais cheia, com 452% acima da capacidade (são 116 presas para 21 vagas).

Para se chegar ao percentual excedente em cada unidade prisional, o G1 acessou o site da SAP e obteve informações da SSP por meio de pessoas ligadas à Secretaria da Segurança, já que ela não disponibiliza as informações na internet alegando questão de segurança. O cálculo leva em conta a proporcionalidade e não valores absolutos. Por isso, a fórmula usada para conseguir esse resultado foi multiplicar por 100 a diferença entre a capacidade dos locais e sua população. O valor resultante equivale, em porcentagem, a quantos prisioneiros habitam a mais, ou a menos, cada cadeia ou presídio do estado, por exemplo.

Memórias do cárcere

Só quem está preso ou visita esses locais sabe o que acontece realmente dentro deles. A reportagem teve acesso a cartas de presidiários e conversou em abril com as mulheres de presos que denunciaram uma série de irregularidades dentro das unidades. Em um dos trechos, o detento do CDP 4 de Pinheiros escreve “somos humilhados pelos policiais na hora da revista [e] ficamos sem comer o dia todo”, “tem superlotação nas celas”, “dormimos no chão por falta de cama e colchão”, “queremos nossos direitos respeitados”.

As mulheres de presos só aceitaram falar sob a condição de anonimato. Cerca de 200 mulheres começam a formar fila todas as sextas-feiras em frente à unidade de Pinheiros. Elas têm maridos presos lá dentro. Montam barracas e distribuem senhas à espera dos sábados de visita.

“O colega do meu marido está doente. Eles não estão cuidando. Está com tuberculose. Meu marido já está há oito meses assim”, afirmou a mulher de 23 anos, que guardava bolachas numa bolsa para levar para o marido preso.

“Teve vez de a comida entrar estragada, mal cozida, com fezes de rato. Uma situação totalmente precária”, disse uma jovem que namora um detento e não quis diz dizer a idade. Ao ser indagada sobre o que os presos fazem quando ficam doentes, ela respondeu: “Primeiramente eles têm que orar a Deus, né? Porque só Deus para poder ajudá-los aí dentro. E porque medicamento, até mesmo médico, eles não têm. Tem enfermeiros que muitas das vezes eles nem sabem o que estão dando. Teve situações de presos que tomaram medicação errada.”

Interdições

Segundo um representante da Promotoria em São Paulo, que pediu para não ser identificado, “os CDPS estão superlotados e todos sabem disso”. Para o promotor, a solução para reduzir a superlotação está na construção de mais presídios.

Mas na avaliação da Defensoria Pública do estado, existem outros caminhos para controlar a população carcerária, como interdições ou políticas públicas de inclusão social.

Leia abaixo as íntegras das notas da SAP e da SSP a respeito das condições precárias em que vivem os presos no estado de SP.

Outro lado SAP

“Com relação ao CDP 4 de Pinheiros, citado em sua solicitação, a Secretaria da Administração Penitenciária esclarece que as denúncias são improcedentes. A alimentação é servida por empresa terceirizada e, assim que recebida, uma comissão específica da unidade prisional é responsável por checar, diariamente, o conteúdo, a consistência e a temperatura da comida. O que é feito através de amostragem. O material também é verificado para conferir se não há algum marmitex que não esteja lacrado, no momento da entrega.

A mesma equipe avalia, diariamente, a higienização das embalagens externas, geralmente caixas plásticas, além do interior do baú do veículo transportador. É importante ressaltar que trata-se de um procedimento padrão em todas unidades prisionais que recebem alimentação terceirizada no Estado.

Com relação à saúde, a SAP esclarece que o CDP 4 de Pinheiros possui área de saúde, com corpo funcional específico para lidar com esse assunto. Qualquer tipo de solicitação de atendimento feita pelos internos é prontamente atendida no local ou, se for o caso, são feitos encaminhamentos externos através do Centor de Ações Hospitalares, do próprio presídio. Mais uma vez, não procede a denúncia realizada.”

Outro lado SSP

“O delegado Robson Lorencetti Ernesto, do Departamento de Polícia Judiciária do Interior 7 [Sorocaba], informou a esta assessoria de imprensa que a Cadeia Pública de Piraju foi desativada em 8 de junho. Todos os presos foram encaminhados para o sistema prisional e o processo de reforma da unidade está em fase licitatória.

O Estado de São Paulo possui 115 cadeias públicas ativas. Desde 2007, 64 unidades foram desativadas, sendo que 11 delas foram, posteriormente, transformadas em cadeias femininas.

Em 2000, a Secretaria da Segurança Pública possuía 32.319 presos sob sua responsabilidade. Atualmente, são 8.890 presos para 5.453 vagas disponibilizadas.

Importante lembrar que São Paulo possui a maior população carcerária do país. Só em 2009, as polícias paulistas realizaram 124 mil prisões, em flagrante ou por mandado, contribuindo diretamente para a redução de todos os crimes contra o patrimônio.

No primeiro trimestre de 2010, os roubos caíram 13% em relação ao mesmo período do ano passado. De janeiro a março, os furtos diminuíram 5%, os furtos de veículos 10%, os roubos de veículos 12% e os roubos de cargas 7%. Os roubos seguidos de morte apresentaram a redução mais significativa: -22%, com queda de 94 para 73 casos no Estado.

A reversão da tendência de alta identificada no início de 2009, com a significativa redução dos crimes contra o patrimônio, deve-se a uma série de medidas tomadas para intensificar o policiamento ostensivo e a investigação criminal, além da melhora do cenário econômico.
A diminuição histórica no número de homicídios em São Paulo – nos últimos dez anos, a redução foi de 69% – também teve como um dos fatores o aumento do número de pessoas presas devido ao trabalho policial.

Por fim, ressaltamos que é meta atual do governo estadual desativar, gradativamente, as cadeias públicas e carceragens sob responsabilidade da SSP, transferindo assim a população carcerária à Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), com a construção de novas unidades prisionais.”

Por Kleber Tomaz

As culturas e as drogas – por Juca Ferreira do Comunidade Segura

Com o lançamento do livro “Drogas e Cultura: novas perspectivas”, editado em parceira com a Universidade Federal da Bahia, o Ministério da Cultura espera contribuir com o debate e para uma maior eficácia das políticas públicas sobre drogas em nosso país.

Sabemos ser este um relevante tema, complexo, de uma extrema delicadeza, e que envolve posições muito díspares. Não fugir ao debate e à polêmica tem sido uma postura deste Ministério. Não poderíamos nos furtar a esta discussão, especialmente pela gravidade crescente de que se reveste. Sobretudo porque dela a dimensão cultural da questão não pode estar ausente, se quisermos desenvolver uma ação responsável sobre o assunto.

A cultura não é apenas um componente a mais, ela é de fundamental importância. Sentimos que a sociedade não está sabendo tratar o tema das drogas. Ele não é apenas um caso de polícia e de saúde pública. Com “droga”, ou sem “droga”, os seres humanos, ao longo do tempo, têm buscado ampliar o horizonte do real. Parece ser algo intrínseco à sua natureza. E, como desconhecer que, historicamente, todas as culturas têm relação com substâncias psicoativas?

Precisamos escapar de uma visão simplista e superficial sobre o assunto; este tema deve ser abordado, preferencialmente, de uma maneira multidisciplinar, já que a sua compreensão envolve a consideração de diversos aspectos, como os farmacológicos, psicológicos e socioculturais. Não se trata de desconsiderar os riscos e as complexidades bioquímicas do uso dessas substâncias, mas de abrir mais espaço para este tipo de reflexão na discussão sobre as “drogas” na atualidade.

Um novo ponto de vista, baseado na redução dos danos, tem emergindo no mundo inteiro, com apoio de vários cientistas, inclusive com a participação de vários ganhadores do Nobel. No Brasil, há alguns anos acompanhamos um saudável amadurecimento acadêmico das pesquisas e dos estudos sobre os usos de “drogas”. Antropólogos, sociólogos, historiadores, médicos, juristas, economistas e tantos outros pesquisadores – alguns deles colaboradores do livro em pauta – estão revelando facetas inusitadas sobre este fenômeno do nosso cotidiano, muito freqüente nas nossas manchetes midiáticas.

Há em curso quase um movimento intelectual que oferece uma abordagem biopsicossocial dos estudos sobre “drogas”, um movimento engajado em refletir sobre este polêmico tema e sobre seus paradoxos; que visa a fecundar um debate público mais condizente com o pluralismo, a diversidade e a democracia que têm caracterizado nosso país. Não se pode analisar o uso das “drogas” exclusivamente a partir de seus aspectos farmacológicos e biológicos, precisamos levar em conta as variáveis psíquicas individuais e o contexto social.
A militarização no combate às “drogas” está perdendo a batalha em todo o Ocidente. Esta ação não tem diferenciado o usuário do traficante, para ela o consumidor é um cúmplice. Não se interessa pelas diferenças importantes entre as drogas, tanto no âmbito das alterações da percepção e das atividades cerebrais como as diferentes conseqüências físicas e psíquicas de cada uma delas e não consideram a necessidade de compreender os contextos sociais e comportamentais dos usuários.

Por outro lado, não basta a descriminalização; a questão é complexa e precisamos de estratégias complexas e de informação e da contextualização de cada caso. Algumas drogas viciam e geram dependências com conseqüências devastadoras, inclusive, parte das drogas legais. A bebida, por exemplo, tem presença maciça nos acidentes de trânsito e muitos remédios causam níveis altos de dependência. Não podemos imputar à cultura a possibilidade de solucionar o problema. A cultura entra como um componente a mais de uma análise multidisciplinar, mas de fundamental importância.

Ao desconhecer certas singularidades e ignorar os diversos contextos culturais, acabamos por tratar de modo estanque e indiferenciado as distintas apreensões culturais e nos tornamos incapazes de distinguir as implicações dos diversos usos das “drogas”. Só bem recentemente começamos a reconhecer a legalidade dos usos cultuais de certas substâncias psicoativas vinculadas a rituais.
A diferenciação entre o consumo próprio – individual ou coletivo – e o tráfico também ainda não foi totalmente estabelecida. A ausência de tal distinção acarreta um tratamento de desconfiança moral, policial e legal frente a todos os usuários de substâncias psicoativas, independente de seus hábitos e dos contextos culturais.

Existem drogas legais e drogas ilegais. Drogas leves e pesadas. Drogas que criam dependência e drogas que não criam. Umas mais, outras menos.
Precisamos também balizar de um modo mais atento e detalhado as relações entre os usos, o consumo, a circulação e os direitos privados dos cidadãos brasileiros. Devemos repensar e reconsiderar a relação entre o Estado, as “drogas” e os direitos privados. Este é um passo imprescindível para o amadurecimento das políticas públicas relacionadas às “drogas”.

As abordagens sociais tendem a ser levadas em consideração somente quando são realizadas no âmbito do crime, do tráfico, da violência urbana ou da pobreza, sendo desvalorizadas em seus aspectos culturais. Ainda persiste uma tendência a atribuir maior legitimidade aos estudos sobre o assunto desenvolvidos no âmbito das ciências da saúde: como a medicina, a farmacologia e a psicologia. A incapacidade de lidar com a complexidade do fenômeno das “drogas” e essa opção por um tratamento unilateral influencia o campo político, onde se percebe a pobreza das análises e a ausência dos aspectos socioculturais na concepção das políticas públicas direcionadas a elas.

Precisamos incorporar uma compreensão “antropológica” sobre as substâncias psicoativas, uma abordagem mais voltada para a atenção aos comportamentos e aos bens simbólicos despertados pelos diversos usos culturais das “drogas”, tanto no nível individual quanto social. Precisamos exercer um papel propositivo na elaboração da atual política nacional sobre a matéria, buscando sempre a ênfase na redução dos danos. Precisamos valorizar o papel das ciências humanas na reflexão sobre o tema e a relacioná-las a outras discussões.

Longe de se limitar a um vínculo com o problema da violência ou da criminalidade social, o consumo de “drogas”, desde sempre, remeteu a várias esferas da vida humana, ligando-se a fenômenos religiosos, movimentos de construção (ou reconstrução) de identidades de minorias sociais, étnicas, geracionais, de gênero, ou ainda a produções estéticas. Fatores de ordem moral e cultural possuem uma ação determinante na constituição de padrões reguladores ou estruturantes do consumo de todos os tipos de “drogas”.

Para o bem e para o mal, as “drogas” são e estão na sociedade e nas culturas e, portanto, não podem ser entendidas fora delas. Todas elas partem da enorme diversidade de práticas, representações, símbolos e artes que habitam o Brasil. Nossos pesquisadores e nossa legislação devem, em alguma medida, levar em consideração a dimensão cultural para cunhar políticas públicas mais eficazes e mais adequadas à contemporaneidade.

* Ministro de Estado da Cultura do Brasil

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Mande sua opinião ao UNODC

Envie um e-mail para o diretor executivo do UNODC, Antonio Maria Costa (antonio.maria.costa@unodc.org,) dizendo como a política proibicionista tem causado danos à sua saúde, mais até que a própria droga. Você também pode divulgar sua mensagem através da página da campanha do UNODC no facebook. A participação política também é uma atitude saudável, participe!
O dia foi 26 de junho, mas ainda há tempo pra se mandar um protesto contra essa política proibiciionista imposta pela ONU
Uma abordagem saudável para a questão das drogas é, portanto, incompatível com o atual sistema de controle das drogas da ONU. Se o UNODC quer realmente promover a saúde, ele deve primeiro fazer uma escolha mais saudável para si mesmo, o que significa uma profunda revisão das convenções, permitindo uma maior flexibilidade aos Estados-Membros para a adoção de novas políticas e acabar de uma vez por todas esta insustentável política de guerra às drogas.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

As Candidaturas enganjadas

A saída do Brasil da Copa do Mundo de Futebol pode mudar o rumo das eleições desse ano. Além de ser no mesmo ano, o início da campanha política é hoje, exata data em que o Brasil jogaria na Semi, caso tivesse passado pela Holanda. Alguém imagina como seria o começo da campanha em dia de jogo? Não seria.

Fato que a partir de hoje os candidatos de todo país já estão oficialmente em campanha eleitoral e nós não poderíamos deixar de nos posicionar a favor de quem balança com competência inegável a nossa bandeira.

No Rio de Janeiro e em São Paulo, pelo menos, dois representantes despontam. Em Sampa temos o autor do projeto de lei que promete revolucionar a política de drogas no Brasil, do PT, o Deputado Federal Paulo Teixeira. Ele teve participação importantíssima na Marcha paulista, negociando sempre com a polícia pelo êxito da manifestação.

No Rio de Janeiro o já conhecido sociólogo e frontman da Marcha da Maconha, Renato Cinco também se candidata a vaga de Deputado Federal, levantando como principal bandeira a legalização da maconha. No canal do YouTube do candidato já pode-se encontrar um vídeo em que o presidenciável do Renato CincoP-SOL, Plínio Sampaio, declara apoio a candidatura do militante. Além disso, o antropólogo, Luiz Eduardo Soares também manifestou apoio e opinião sobre a causa. Ainda no Rio de Janeiro, o André Barros, um dos advogados da Marcha, também se candidata a Deputado, só que Estadual.

Galera que tiver informações de outros Estados, diz aí .O atividadedamente promete voltar ao assunto e dar todo apoio àqueles que sempre apoiaram a nossa causa.Porque precisamos ter defensores na câmara, para conseguirmos nossos objetivos.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

A Placa de Chico Xavier

Chico Xavier costumava ter em cima de sua cama uma placa escrita: ISSO TAMBÉM PASSA... Aí perguntaram para ele o porquê disso. E ele disse que era para se lembrar que quando estivesse passando por momentos ruins, poder se lembrar de que eles iriam embora. Que iriam passar. E que ele teria que passar por aquilo por algum motivo. Mas essa placa também era para lembrá-lo que quando estivesse muito feliz, não deixar tudo para trás e se deixar levar, porque esses momentos também iriam passar, e momentos difíceis também viriam de novo. E é exatamente disso que a vida é feita... de MOMENTOS. Momentos os quais temos que passar, sendo bons ou não, para o nosso próprio aprendizado. Por algum motivo nunca esquecendo do mais importante: NADA É POR ACASO. Não estamos aqui por acaso, não conhecemos as pessoas por acaso, não vivemos por acaso. Tudo acontece por algum motivo, e o que tiver que acontecer vai acontecer, e nada, nem ninguém vai mudar isso..."

A nova Abolição

Na Proclamação do Anhangabaú da Felicidade, manifesto do Teatro Oficina, Zé Celso lançou um desafio para o Brasil: “Ser o primeiro país do mundo a promover a grandeza da Abolição da Escravidão do século 21 através da descriminalização Total das Drogas, tirando da Polícia sua administração e passando para o Ministério da Saúde, Cultura e evidentemente da Fazenda... tornando-a uma questão totalmente Cultural, que livrará o país deste Genocídio praticado diariamente principalmente contra as crianças de todos os Canudos-Favelas de todo País”.
À primeira vista pode parecer descabido comparar a legalização das drogas no século XXI com a abolição da escravidão no século XIX, mas estas palavras do Zé Celso são muito sábias e lúcidas, revelando sua capacidade de perceber a realidade muito além dos discursos oficiais.
A criminalização das drogas é uma estratégia de controle social e não uma política de proteção da saúde pública, como proclamam os defensores da “War on Drugs” de Richard Nixon. A realidade demonstra claramente a total incapacidade da política proibicionista de proteger a saúde pública, e os próprios Estados Unidos - país que mais gasta com a Guerra às Drogas em todo o mundo -, têm a maior taxa de usuários de drogas ilícitas do mundo. Cerca de 40% da população dos EUA já utilizou drogas ilícitas, inclusive Barack Obama, Bush filho e Bill Clinton.
Por outro lado, a Guerra às Drogas é extremamente eficiente como instrumento de criminalização e perseguição de grupos socais, de movimentos políticos e até mesmo de países. Recentemente, em palestras no Rio de Janeiro, o policial estadunidense e fundador da Law Enforcement Against Prohibition (LEAP), Jack Cole, denunciou o caráter racista da War on Drugs nos EUA, revelando que hoje seu país encarcera cerca de 6,9% da população negra contra 0,9% da branca. O regime do Apartheid da África do Sul encarcerou 0,8% da população negra.
No Brasil o caráter racista da proibição das drogas também está presente e a perseguição e criminalização da maconha ocorreu no contexto de estigmatização da cultura negra. Porém, em nosso país a Guerra às Drogas atinge a pobreza de maneira geral, e apesar da pouca importância para o mercado ilícito, são os pequenos e miseráveis varejistas do tráfico os que lotam as cadeias, necrotérios e microondas.
De um ponto de vista antiproibicionista a lei 11343/2006 tem o mérito do fim da pena de prisão para o usuário de drogas, incluindo os que cultivam para consumo próprio. Ao não estabelecer, porém, critérios objetivos para a diferenciação de usuários e traficantes, a lei permite que usuários pobres e sem acesso a advogados sejam enquadrados como traficantes.
Além disso, ao manter na ilegalidade o comércio de drogas e ainda ao aumentar a pena mínima de prisão para os traficantes, a lei 11343 contribui para a dinâmica de acumulação da violência nas cidades brasileiras.
Nos últimos anos, vimos no Rio de Janeiro o surgimento da criminalidade policial organizada na forma das milícias. Muito mais poderosas do que as quadrilhas de varejistas do tráfico, os milicianos vêm aumentando cada vez mais sua base territorial e já estão se infiltrando no poder legislativo. Se não conseguirmos romper com este círculo vicioso de corrupção e violência, a própria democratização da sociedade fica ameaçada.
Nossa sociedade precisa romper com os velhos esquemas de controle social através da violência do Estado e finalmente aceitar que a paz é fruto da justiça.
Renato Cinco

terça-feira, 15 de junho de 2010

Continua A Matança

Relatório da ONU aponta uma série de erros nas chamadas "operações de guerra" em favelas e dá destaque para alto índice de autos de resistência
Contrariando as recomendações da Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil não obteve avanços significativos no combate às execuções sumárias. É o que revela um relatório divulgado pela instituição nesta terça-feira (01). O relator especial Philip Alston revelou ter encontrado no país o mesmo cenário verificado em 2007.
De acordo com o documento, a Polícia continua cometendo execuções extrajudiciais, sem direito à defesa. Foi observada ainda uma série de erros nas chamadas “operações de guerra” dentro das favelas, responsáveis pela morte de inocentes e suspeitos.
Recebeu destaque o elevado índice de autos de resistência, sobretudo em São Paulo e no Rio de Janeiro. Juntos, os dois estados registraram, entre 2003 e 2009, 11 mil casos de resistência seguida de morte. Embora existam evidências de se tratarem de execuções, a maior parte dessas mortes não foi investigada.
O relator da ONU defende a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que autoriza o Ministério Público a conduzir investigações independentes nos casos em que a Polícia estiver envolvida em assassinados.
Em 2008, a ONU fez 33 recomendações ao governo brasileiro para diminuir o número de execuções sumárias. No entanto, 22 delas foram descumpridas e as demais foram atendidas parcialmente.
Jorge Américo
Radioagência NP
Coletivo DAR

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Carta do Principio Ativo ao jornal "Correio do Povo"

carta dos meus amigos do Principio Ativo em resposta a carta publicada no jornal "Correio do Povo" de Porto Alegre, criticando a Marcha da maconha, e a legalização:
"Lembro à leitora Josete Sánchez (CP 29/5) que a proibição das "drogas" interessa primordialmente ao tráfico. Com a ilegalidade do mercado e com a manutenção da demanda, os lucros se tornam absurdamente altos. Também interessa à corrupção estatal e policial, à política externa intervencionista e militarista dos USA, à industria de armas e ao Estado, como desculpa para segregar e criminalizar os setores indesejados da sociedade. Quem defende o proibicionismo, querendo ou não, está fazendo coro com estes interesses. È necessário ressaltar que defender outras políticas em relação às "drogas" não significa defender necessariamente o uso de drogas. Assim como não preciso ser uma mulher grávida para defender que o Estado permita o atendimento digno a quem deseja interromper sua gravidez, não necessito ser usuário de substâncias tornadas ilícitas para criticar um Estado com ingerência sobre a vida privada de seus cidadãos, e, menos ainda, uma política com tantos efeitos nefastos como consequência. O proibicionismo é, em si, uma apologia à violência e à resolução dos problemas no campo militar. A Marcha da Maconha faz apologia da razão e da paz. Hoje, podemos seguramente afirmar que TODOS aqueles que encontram-se presos por algum tipo de crime relacionado ao uso ou ao comércio de substâncias tornadas ilícitas são PRESOS POLÍTICOS. Presos por uma política de Estado absurda, moralista e preconceituosa. Por fim, é sabido, notório e comprovado que a maconha não é a porta de entrada para outras drogas. Caso fosse, também poderíamos afirmar que a cerveja é a porta de entrada para o "crack", já que muitos usuários de "crack" tomam cerveja. A proibição das drogas não passa de uma política que busca o beneficiamento de poucos, que lucram rios de dinheiro "combatendo" as drogas, em detrimento de muitos que morrem, são presos ou sofrem com a proibição imposta. Portanto, chega de crime, chega de prisão, legalizar é a solução! Para mais informações acesse: www.principioativo.org
Pedro Gil – membro do coletivo Princípio Ativo, Porto Alegre"

domingo, 6 de junho de 2010

O Jogo dos Sete Erros: campanha “Crack Nem Pensar” da RBS vai aumentar a violência no RS e em SC

Eu não duvido das boas intenções do Grupo RBS em promover uma campanha contra o crack, mas discordo frontalmente das diretrizes desta campanha específica. Sua fundamentação teórica é inadequada e suas propostas serão contraproducentes, isto é, vão aumentar a violência, a corrupção e outros problemas relacionados ao tráfico de drogas ao invés de ajudar a reduzi-los.

Primeiro erro: sugerir não pensar
A campanha começa errando pelo próprio nome: “Crack Nem Pensar” remete ao oposto do que se deve fazer, que é pensar muito bem sobre a questão do crack. E a primeira pergunta que eu sempre faço quando debato sobre a questão das drogas é:
- Se as drogas são assim tão ruins como se diz, então é fácil a sociedade oferecer algo melhor e mais atraente para os jovens que as utilizam ou comercializam, certo?

Se a resposta for “claro, é óbvio que é fácil oferecer uma boa alternativa em relação a algo tão ruim”, então ofereçam, ora bolas! Os resultados virão sozinhos: como todo mundo escolhe o que acha que é melhor para si, ninguém vai querer usar ou vender drogas se tiver alternativas melhores disponíveis.
Se a resposta for “não é bem assim”, então fica evidente que tem alguma coisa muito errada com o discurso demonizador das drogas. Ou as drogas não são tão ruins assim, ou as alternativas disponíveis para os jovens, do ponto de vista deles, são piores que usar ou vender drogas.
Você acha que não é assim? Então pense:
- Será mesmo que os jovens abusam de drogas porque são tão burros que gostam de fazer mal a si mesmos, ou porque são tão mal informados que não sabem que as drogas fazem mal?
- Será mesmo que os jovens vendem drogas e se arriscam a ser presos ou a morrer em confrontos entre quadrilhas ou contra a polícia porque são naturalmente maus e criminosos?
- Ou será mais provável que os jovens que abusam de drogas ou comercializam drogas não sejam nem burros e mal informados, nem maus e criminosos, mas tenham uma visão de mundo completamente diferente da visão de mundo de quem pretende forçá-los a não consumir nem comercializar drogas?
Sem entender e respeitar a visão de mundo, as necessidades e a dignidade de quem ingressa no mundo das drogas não existe a menor possibilidade de encontrar uma solução digna e razoável para os problemas agravados pelas drogas. (Repetindo: agravados e não gerados. O abuso e o comércio de drogas são conseqüências de problemas anteriores, não causas de problemas. Estes fenômenos apenas agravam problemas preexistentes.)
Crack: Vamos Pensar – chega de repetir clichês sem questionar.
Segundo erro: apelar para a consciência
Esse é um absurdo de lascar. Quer dizer então que o jovem entra no mundo das drogas – em especial do crack – porque não tem consciência que crack faz mal, que vicia, que é perigoso?
Não existe usuário de crack que não saiba que o crack faz mal, que é muito viciante e que para a maioria dos usuários é um caminho sem volta. Podem ter certeza, quase todos eles sabiam disso antes de experimentar o crack pela primeira vez e mesmo assim embarcaram nessa canoa furada.
O que ninguém pára para pensar é que não adianta “conscientizar” sem oferecer alternativas pelo menos tão atraentes quanto. Se as drogas são mais atraentes que esportes saudáveis ou que os estudos e empregos disponíveis, isso é sinal claro que tem algo muito errado com os esportes, com os estudos, com os empregos e com todos os agentes sociais que dizem que estas coisas “deveriam” ser mais atraentes que as drogas.
Campanhas de conscientização são inócuas. Salvo uma parcela ínfima dos filhos das classes mais abastadas, cujo contato com drogas pesadas poderia advir de desconhecimento ou ingenuidade, somente pode ser conscientizado com eficácia o jovem que não teria de qualquer modo interesse nem motivação para se tornar um usuário abusivo de drogas. O jovem de classe baixa em situação de risco real não é atingido por campanhas de conscientização. Se por acaso a campanha de conscientização chega até ele, é totalmente ineficaz.
Terceiro erro: minimizar a importância da desigualdade social
Ninguém trafica crack porque não quer trabalhar. Quem disser uma besteira dessas ou não conhece a realidade ou não se importa com a verdade, porque o tráfico é uma ocupação pesada e arriscada, que dá muito trabalho e pouco lucro para a maioria dos traficantes. Mas é muito fácil dizer que “é melhor ser pobre, honesto e trabalhador do que se tornar criminoso por não querer trabalhar” quando se está lendo um blog, debatendo no Orkut ou em seminários temáticos, dando entrevista na TV ou despachando atrás de uma mesa numa sala com ar condicionado.
Cada um decide o que é “melhor” para si com base em sua visão de mundo e nas oportunidades que tem no mundo. Se alguém decide usar drogas ou comercializar drogas mesmo sabendo de todos os riscos, isso é sinal que aquilo é o melhor que essa pessoa pôde encontrar para si em nossa sociedade. Cada usuário abusador ou traficante de drogas é, portanto, motivo de vergonha para a sociedade inteira, que nada melhor pôde oferecer para estas pessoas.
A grande verdade é que existe uma parcela cada vez maior da população que está descobrindo no tráfico de drogas uma ocupação que pode lhes trazer a oportunidade financeira e o status social que jamais lhes serão oferecidos em qualquer outro tipo de emprego ou atividade econômica.
Tudo em nossa sociedade remete ao desejo de consumo e de uma vida confortável. Todos os meios de comunicação de massa estão repletos de anúncios de produtos bonitos, vistosos, desejáveis. Em todos os lugares as pessoas são julgadas pela aparência, por aquilo que possuem, por aquilo que podem fazer, por aquilo que podem proporcionar. Ricos, pobres e todos no intervalo são bombardeados com essas informações diariamente, são estimulados a desejar, a querer ter e a se valorizar por aquilo que possuem.
Os sonhos de consumo básicos de nossa sociedade são casa própria e carro próprio. O mais barato automóvel nacional custa R$ 22.560,00 em sua versão mais básica. Supondo que um trabalhador que ganha salário mínimo pudesse dedicar 10% de sua precaríssima renda para comprar um automóvel, ele precisaria economizar durante quarenta anos para ter acesso a este bem.
O que você vai dizer para essas pessoas? Que elas precisam se resignar porque o mundo é assim mesmo? Que alguns nasceram para ter e outros para sofrer? Certo, diga. Mas não se espante se alguns deles não aceitarem as regras desse jogo. Quem não tem nada a perder e não estiver disposto a passar setenta ou oitenta anos morto em vida, olhando os outros terem o que desejam enquanto ele passa necessidade, tem boas chances de resolver vender drogas e de encarar a repressão à única chance de ter os bens que deseja como uma declaração de guerra. Afinal, o que estas pessoas têm a perder? (A vida? Que vida? Você tem uma vida, elas mal sobrevivem.)
Não me venha com o blá-blá-blá ridículo sobre se esforçar, sobre se qualificar e sobre conquistar espaço, meu caro leitor. Em um mundo competitivo não há espaço ao sol para todos, então sempre haverá os marginalizados que se revoltarão e buscarão violentamente aquilo que nossa sociedade os estimula a desejar mas os impede de adquirir pacificamente. Somente a implantação de um verdadeiro Estado de Bem-Estar Social pode reduzir o conflito social aos níveis ínfimos registrados em países como Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia.
Se nossa sociedade submete um imenso contingente de pessoas à miséria e à frustração constante e sem perspectiva justificável de melhoria, se não lhes estende a mão de modo solidário, se não lhes garante a mínima dignidade, se não lhes garante acesso ao conforto, à segurança e aos itens de desejo que anuncia como ideais de satisfação, então vamos arcar com o resultado desta terrível falta de solidariedade: a revolta e a violência de muitos seres humanos que não aceitam ser tratados como lixo.
Quarto erro: considerar o traficante um inimigo
Eu não tenho a menor dúvida que 95% ou mais dos traficantes não são inimigos da sociedade, são vítimas da sociedade. Antes que você comece a se contorcer achando que isso é um clichê, lembre-se que, salvo um ou outro caso patológico, ninguém nasce mau, ninguém gosta de fazer os outros sofrerem, ninguém gosta de se expor a risco real. A maior parte das pessoas que se tornam más são vítimas de negligência e abusos por parte da família, da escola, do Estado e da sociedade em geral.
Mau caráter é aquele sujeito que teve amor, atenção, respeito, educação de boa qualidade, bons exemplos e todas as oportunidades na vida para ter uma atividade econômica lícita que lhe proporcionasse uma vida confortável e preferiu investir no mundo do crime por ambição desmedida, excessiva e injustificada.
O aviãozinho, vapor ou falcão, recrutado na infância em uma favela, oriundo de uma família desamparada pelo Estado e também ele desamparado pela família e pelo Estado, é uma vítima desviada do bom caminho por um sistema econômico excludente, negligente, cruel e assassino. Se ele se torna um jovem mau ou um adulto mau, não é porque nasceu mau, mas porque tudo a sua volta o conduziu para o mau caminho.
Tragicamente, a maior parte das vítimas da violência odeia um falso inimigo, e os maiores envolvidos com a violência são os mais iludidos. Os policiais odeiam os traficantes porque o tráfico comete crueldades e violência. Os traficantes odeiam os policiais porque a polícia comete crueldades e violência. E nenhum dos lados percebe que todos estão servindo como bucha de canhão numa guerra contra outros miseráveis que são vitimados pelo mesmo sistema econômico – uma máquina de moer carne humana que não tem o menor interesse em seus dramas pessoais.
Quinto erro: reprimir o tráfico com a polícia
De todas as coisas estúpidas que poderiam ser feitas, usar a polícia para reprimir o tráfico de drogas é a mais grotesca. Isso pode ser tentado por burrice ou por má intenção, mas o fato é que jamais a polícia vai conseguir sufocar esta atividade, só vai conseguir provocar uma reação contrária ainda maior. Não adianta decuplicar o efetivo policial e centuplicar o orçamento das polícias, usar a polícia contra o tráfico é a melhor garantia de promover a escalada da violência.
A sociedade nos estados do sul está embarcando na canoa furada da ideologia proibicionista e repressora, da mentalidade da guerra, sem perceber que isso foi o que foi feito no Rio de Janeiro e deu os resultados que podemos conferir nas notícias que vemos constantemente sobre aquele estado. Vejam o que está acontecendo no Rio de Janeiro:

Fonte: Folha Online.
Isso é o que está sendo plantado no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina pela campanha Crack Nem Pensar. Vamos transformar a Brigada Militar RS e a Polícia Militar SC em franquias do BOPE e as ruas de Porto Alegre, Florianópolis e os morros de todas as grandes cidades do sul do Brasil em um campo de guerra. Isso foi o que se obteve ao usar a polícia para combater o tráfico no Rio de Janeiro, isso é o que se obterá ao usar a polícia para combater o tráfico em qualquer lugar do planeta.
A polícia carioca não pode circular nas favelas em viaturas não blindadas porque é metralhada. No Rio Grande do Sul as viaturas policiais circulam lentamente pelas favelas, com os vidros abertos, sem que nenhum ataque contra a polícia ocorra. Por enquanto. Quando a intensificação da repressão provocar o acirramento de ânimos entre a Brigada Militar e os traficantes, a escalada da violência será deflagrada e não será mais possível refrear a violência nem fazê-la retornar aos níveis anteriores aos de hoje.
Há poucos dias um helicóptero da polícia do Rio de Janeiro foi abatido a tiros pelo tráfico. A cúpula da segurança pública do Rio de Janeiro disse que “a resposta será na mesma medida“, ou seja, eles ainda não aprenderam nada. A polícia do Rio de Janeiro é a que mais mata no mundo. A violência do tráfico no Rio de Janeiro quase se compara à violência do Khmer Vermelho. Mesmo assim, apesar de todas as evidências de fracasso da estratégia de usar a polícia para combater o tráfico, a cúpula da segurança pública do Rio de Janeiro continua dizendo que violência se combate com mais violência e vai colocar mais carne humana viva na máquina de moer. A pergunta que fica é: os gestores e a polícia do Rio de Janeiro são burros ou são mal intencionados?
E nós? Seguiremos o mesmo caminho do Rio de Janeiro?
Sexto erro: aderir à ideologia fascista
A pretensão do Estado em ditar o que é melhor para o indivíduo mesmo contra a vontade deste é uma das idéiais fundamentais do fascismo. (A concepção fascista é definida como “anti-individualista”, colocando o Estado antes do indivíduo: fora do Estado não há valores humanos ou espirituais.) A imposição de uma moralidade padrão faz parte da estratégia de lavagem cerebral coletiva necessária para a dominação, jogando a população “ordeira” contra os que se rebelam contra as injustiças. São idéias fascistas que fundamentam a proibição do consumo e do comércio de drogas.
No Direito Penal, para que exista um crime, são necessários entre outros estes três requisitos: um agente, uma vítima e um dano infligido pelo agente à vítima. Porém, o agente não pode se confundir com a vítima: a automutilação não é crime, nem pode ser tipificada como tal.
No caso do abuso de drogas, o que ocorre é uma forma de automutilação, portanto não pode ser crime. É absolutamente aberrante tratar o abuso de drogas como ação criminosa.
No caso da venda de drogas, fornecer a mercadoria solicitada por um cliente não é causar dano, portanto não pode ser crime. É absolutamente aberrante tratar a venda de drogas como ação criminosa.
As tergiversações do tipo “a sociedade é a vítima” só se sustentam perante uma visão fascista de mundo, em que o Estado é o parâmetro de todas as coisas e as coisas são assim porque as autoridades do Estado determinaram que seja assim. Se o abuso de drogas e o tráfico de drogas são ações a que faltam elementos necessários da definição de crime, então não há que tergiversar: a criminalização de qualquer destes ações é uma atitude fascista.
Se Fulano quer vender e Sicrano quer comprar e usar uma mercadoria, ao Estado não cabe interferir exceto para garantir que a transação se dê de modo voluntário, pacífico e com uma série de garantias para ambos os interessados, tais como as contidas no Código do Consumidor, além do recolhimento dos tributos necessários para a manutenção dos serviços do Estado aos cidadãos. Não cabe ao Estado, entretanto, opinar sobre a moralidade ou a conveniência do ato em si, salvo no caso em que o ato em si interfere nos direitos de terceiros, o que não acontece nos casos de abuso de drogas e venda de drogas.
Sétimo erro: combater as conseqüências sem mexer nas causas
O abuso de drogas é uma questão de saúde pública decorrente da falha do Estado em “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos” (CF, preâmbulo).
Não adianta reprimir o consumo e o comércio de drogas se as condições sócio-econômicas estimulam tanto o abuso quanto o tráfico. Se continuarmos ouvindo os moralistas alienados e os ideólogos mal intencionados que dizem que “pobreza não leva ao crime, ou todo pobre seria criminoso”, então salve-se quem puder porque a guerra civil já foi deflagrada e vai piorar muito.
É preciso investir na solução dos problemas que levam ao abuso de drogas e ao tráfico de drogas, não adianta tentar combater os sintomas de males sociais subjacentes sem corrigir os problemas mais profundos da sociedade.
As principais causas do problema das drogas
1) O desamparo do indivíduo pela família e pelo Estado, que deixam de fornecer o ambiente adequado e os estímulos necessários para que as crianças e adolescentes se desenvolvam de modo saudável, com amor, atenção, respeito, educação de boa qualidade, bons exemplos e um bom encaminhamento na vida;
2) A desumanidade do sistema econômico, que transforma pessoas em “recursos humanos” e as descarta quando não são úteis economicamente, deixando as pessoas na mais completa falta de perspectivas para uma vida digna, confortável e segura;
3) A truculência fascista do Estado, que tenta tutelar a consciência do cidadão ao invés de investir em seu desenvolvimento, bem como impor um padrão moral através da violência ao invés de garantir os direitos fundamentais do cidadão e cumprir seus demais deveres legais.
4) A ausência de valores humanos e solidariedade na sociedade, que assume um viés cada vez mais individualista e repressor, em coevolução com o sistema econômico e com a estruturação de um Estado cada vez mais controlador e violento e cada vez mais comprometido com um modelo econômico desumanizado, alienante e excludente.
As soluções para o problema das drogas

1) Promover educação universal de boa qualidade, que forme cidadãos com senso crítico e capacidade de tomar decisões próprias conscientes e fundamentadas no melhor conhecimento disponível, sem imposições por parte do Estado ou de grupos ideológicos;
2) Garantir acesso universal à renda digna, compatível com o padrão de consumo adequado ao desenvolvimento tecnológico médio e estimulado pela cultura de consumo da época, com garantia de acesso a uma boa qualidade de vida, equilibrando sensatamente a meritocracia e a justiça social;
3) Legalizar e regulamentar de modo inteligente todas as drogas, eliminando os problemas causados pela ilegalidade (violência, corrupção, agravos secundários à saúde devido falta de controle de qualidade, insegurança nas relações comerciais, etc.), assumindo o controle do mercado (proibição de propaganda, controle de qualidade, fiscalização adequada e recolhimento de tributos com destino integral para educação, saúde e programas de geração de renda e apoio às microempresas) e restituindo a paz à população;
4) Tratar o abuso de drogas como uma questão de saúde pública, investindo pesadamente em três eixos de ação: prevenção (itens 1 e 2 acima), redução de danos e programas de reinserção sócio-econômica para os usuários.
Serão viáveis estas soluções?
Os itens 1 e 2 são sempre ditos difíceis ou impossíveis, sendo estas mentiras alegadas para manter as coisas como estão. Se o acesso universal a uma vida digna e confortável fosse interessante para as elites políticas e econômicas, isso seria facilmente atingido em menos de uma década. Como o interesse maior é manter o povo ignorante e lutando pela sobrevivência para melhor manipulá-lo, faz-se um programa paliativo aqui, distribui-se uns caraminguás ali, vai-se levando tudo como sempre, com passos de formiga e sem vontade. A prova maior de que é possível é que isso já foi feito: basta verificar as políticas públicas adotadas em países que apresentem simultaneamente IDH > 0,95 e Coeficiente de Gini < 0,35.
Os itens 3 e 4 podem ser implementados por qualquer governo, a qualquer tempo, com pouquíssimo investimento e grande retorno em curto prazo. Mesmo sem a implementação dos itens 1 e 2, a implementação dos itens 3 e 4 reduzirá imensamente a violência que atinge a todas as classes sociais, reduzirá a corrupção nos escalões mais baixos do Estado (com os quais convive diretamente a população, que perceberá uma mudança nítida para melhor no funcionamento do Estado) e terá reflexos muito positivos na economia com a elevação de diversos indicadores sociais.
Noutras palavras, um governo interessado no bem estar do povo e os setores mais progressistas da sociedade têm interesse em implementar a agenda completa, enquanto um governo interessado somente na própria perpetuação e os setores mais retrógrados da sociedade têm interesse em evitar os itens 1 e 2, mas não podem declarar isso abertamente nem agir abertamente na direção contrária, e lucram imensamente com os itens 3 e 4.
Considerando que, independentemente da celeridade da implementação dos itens 1 e 2, todo mundo lucra com os itens 3 e 4, sim, estas soluções são viáveis, na verdade são imensamente desejáveis, bastando divulgar amplamente suas vantagens e vencer a inércia cultural devida a anos de desinformação sistemática para que a população entenda a lógica da legalização, perceba suas vantagens e então os políticos façam o que já deveriam ter feito sem medo de perder votos.
Recado para a RBS
Em um mundo onde diariamente se estimula o consumo e no qual se valoriza o ser humano por aquilo que ele possui, reprimir o desgraçado que busca a fuga da dor pelo entorpecimento é uma crueldade e reprimir o miserável que busca a última possibilidade de acesso à sociedade de consumo é uma declaração de guerra.
A RBS podem ter boas intenções, mas está sugerindo o caminho errado para a sociedade. Mudem o rumo antes que a situação piore ainda mais.
- Alertem a sociedade quanto ao conteúdo fascista da criminalização do uso e do comércio de drogas. É fundamental que as pessoas percebam que é importante investir na capacitação para o exercício pleno da cidadania ao invés de deixar o Estado decidir o que é melhor para cada cidadão.
- Expliquem os motivos pelos quais o Estado deve legalizar e regulamentar a produção, a distribuição e o uso de todas as drogas, da mais leve à mais pesada. É fundamental que as pessoas percebam que é através do Estado que nós gerenciamos o país, não através da omissão que delega poderes ao crime.
- Divulguem os resultados das políticas da Holanda, comparados com os resultados das políticas dos EUA, o que deixará claro que a Holanda, o país com as políticas sobre drogas mais liberais do mundo, está fechando presídios por falta de presos, enquanto os EUA, o país que mais incentiva o endurecimento da repressão, é o país com maior número de encarcerados do mundo, tanto em números brutos como em percentual da população. Mostrem a comparação entre os indicadores de drogas e violência nos EUA e na Holanda e digam com todas as letras qual país tem políticas melhores e mais desejáveis, com base nos números.
- Cobrem do Estado as quatro soluções acima indicadas, não o aumento da repressão, porque usar a polícia para reprimir o tráfico de drogas é uma política suicida que vai nos levar à mesma situação de violência do Rio de Janeiro. A polícia pode e deve impedir que o tráfico atue em áreas específicas – como as escolas – mas não deve tentar sufocar o tráfico porque isso é impossível de ser feito com os meios que a polícia dispõe e só vai transformar inutilmente nossas cidades em um campo de guerra.
Recado para todo mundo
Eu agradeço toda e qualquer indicação de leitura sobre legalização de drogas, estatíticas relacionadas a políticas de drogas e temas correlatos em português, esperanto, inglês, espanhol, mirandês, catalão, francês ou italiano.


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Alexandre Peinado Praetzel Porto
alexandreppporto@gmail.com
www.twitter.com/alexandreporto

sábado, 29 de maio de 2010

Drogas e religião

Os rituais do Santo Daime ganharam destaque na mídia em março, com o assassinato do cartunista Glauco por um dos fiéis de sua igreja. O alvo de tanta atenção foi uma das tradições da seita: o consumo da ayahuasca. Bebida alucinógena, a ayahuasca pode ser considerada uma droga. E drogas, você sabe, são proibidas no Brasil. Mas a ayahuasca é liberada desde que utilizada durante os cultos religiosos. Isso faz sentido? Faz.

O motivo: a liberdade religiosa de cada um. Graças à liberdade religiosa, podemos escolher e exercer as crenças que quisermos. Não precisamos esconder crucifixos, estrelas-de-davi, um exemplar do Alcorão. Para proteger essa liberdade, às vezes é necessário criar exceções ao que se considera ético, moral ou mesmo legal na sociedade, como a feita à ayahuasca. O problema é que algumas exceções acabam prejudicando o bem coletivo. É nessa hora que a fé de cada um deve encontrar um limite.

Fé é particular. Não deve interferir no direito dos outros. Quando isso acontece, estamos diante de um crime. Por isso, o consumo individual da ayahuasca no templo é válido - mas induzir alguém a bebê-la em outro contexto não. Testemunhas de Jeová vetam transfusões de sangue, por uma interpretação que fazem do texto da Bíblia. Isso é aceitável, já que cada pessoa é responsável pelo próprio corpo. Mas o que dizer de um pai que impede uma transfusão vital para um filho? É possível que a criança não sobreviva - em nome da religião. Em países como Arábia Saudita, condenações à morte são proferidas contra aqueles que abandonam o islamismo. Mais uma vez, em nome da religião.

Esses são crimes contra os direitos individuais, ainda que representem, também, uma manifestação de fé. E vão contra os próprios ideais que geraram a liberdade religiosa, nascida junto com a democracia moderna. Mesmo depois da Reforma Protestante, no século 16, pertencer a uma crença não era um direito individual. Ordem política e religiosa eram unidas - a religião de governados obrigatoriamente deveria ser a do governante. Só com o Iluminismo apareceram as formas jurídicas que protegem escolhas religiosas pessoais, justamente para que cada um pudesse escolher o melhor para si.

A discussão sobre liberdade religiosa no Brasil de hoje às vezes toma um rumo repressor. Apesar de laico, nosso Estado ainda é muito influenciado pelo catolicismo, praticado por mais de 70% dos brasileiros. E o catolicismo é uma religião dogmática - práticas que não se adaptem a ela não costumam ser toleradas (vide relações homossexuais e uso de métodos contraceptivos). No entanto, a Igreja se esquece de que foi a própria tolerância religiosa que a gerou. Não fosse uma estratégia do Império Romano de permitir que seus governados exercessem as crenças que quisessem, o catolicismo não teria prosperado no mundo. Isso significa que precisamos nos lembrar da importância da tolerância religiosa. Basta apenas que sociedade e Estado fiquem atentos para evitar que da fé surjam crimes.


* Roberto Romano é professor de filosofia e ética da Unicamp.

40 anos de derrotas contras as drogas

1 – Após 40 anos, a política de guerra, dos Estados Unidos, contra as drogas tem custos de 1 trilhão de dólares, centenas de milhares de vidas perdidas, e… Para quê?
O uso das drogas está desenfreado, e com uma violência ainda mais brutal, se espalhando pelos Estados Unidos. Até mesmo o Czar da luta anti-drogas, Gil Kerlikowske, reconhece: a estratégia não funcionou.

2 – Em 1970, Richard Nixon inaugurou uma nova fronteira de guerra, que ele pensava que ia ganhar. “A nação enfrenta a maior crise, no que concerne ao crescimento do consumo de drogas, principalmente, entre as pessoas jovens,” disse Nixon, e completou: nosso inimigo público número 1 é o abuso de drogas, para combater e vencer esse novo inimigo é necessário envidar novos esforços, com toda ofensividade possível.

3 – O primeiro orçamento anti-drogas, foi de US$ 100 milhões de dólares. Hoje é de $15,1 bilhões de dólares, 31 vezes maior que o de Nixon, mesmo ajustado pela taxa de inflação.

4 – $20 bilhões, para combate nos seus países de origens. Na Colômbia foram gastos $6 bilhões, mas o cultivo aumentou e o tráfico mudou-se para o México, e com ela a violência.

5 – $33 bilhões foram gastos em Marketing, tipo “simplesmente diga não”, dirigida ao público jovem, e outros programas de prevenção. Os níveis de consumo entre os estudante das escolas superiores se mantem inalterados. Os centros de controles e prevenção dizem que os casos de overdoses tem crescido sistematicamente, desde 1970. No último ano(2009) foram 20.000 casos.

6 – $49 bilhões foram aplicados no reforço do aparato legal ao longo das fronteiras do país. Neste ano, 25 milhões de Americanos irão cheirar, tragar, fumar e injetar drogas ilegais, 10 milhões a mais que em 1970, o grosso sendo importado via México.

7 – $121 bilhões foram gastos com a detenção de usuários não violentos. Estudos mostram que o tempo de permanência em prisões, tem relação com o aumento do abuso com drogas, por parte deste público..

8 – $450 bilhões foram os custos com manutenções dessas pessoas presas; apenas em prisões federais. No ano passado, metade dos prisioneiros do sistema federal eram de sentenciados pelo uso de drogas.

9 – Ao mesmo tempo, o abuso com drogas tem gerados outros custos para a nação.O Departamento de justiça afirma que o sistema judiciário está sendo sufocado por processos oriundos dessa causa, da mesma forma o sistema de saúde. Há, ainda, as perdas de produtividade, e a destruição ambiental, com custos estimados de $215 bilhões de dólares/ano.

10 – Jeffrey Miron, economista da universidade Harvard, declara: ” a única certeza que o contribuinte pode ter com essa política é: mais gastos com mais soldados e mais homicídios.” De fato, a atual política anti-drogas, não está tendo efeito nenhum em sua redução, mas está custando uma fortuna para contribuinte.

PS
Barack Obama lançou, recentemente, sua política contra as drogas. Seu enfoque se dirige mais a prevenção e tratamento.
São abandonados a políticas com ênfases em “guerra” e “perseguição judicial.”

PS
A ideia de um presidenciável de criar uma policia federal fardada revela a opção por estratégia fracassado, e fracassado nas de quem tem um orçamento de $15 trilhões de dólares,espiões em todo o mundo, bases militares em 46 países, muita tecnologia e outras “facilidades” , conseguidas com as suáveis persuasões de quem possui o maior poderio bélico do planeta.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Marcha do Rio

Nesta semana, o DAR remete às primeiras Marchas realizadas neste ano, coincidentemente as duas mais tradicionais do país: Rio e Recife. A primeira aconteceu no sábado e a segunda hoje, dia 2. Para ouvir a coletânea musical organizada pelo pessoal de Recife, publicada no Filipeta da Massa, clique aqui. Alguns dos vídeos do Rio seguem abaixo. Durante a semana confira outras informações, fotos e reportagens sobre as Marchas, inclusive relatos exclusivos dos enviados do DAR à cidade maravilhosa.

vejam os videos no DAR
http://coletivodar.wordpress.com/category/anti-proibicionismo/

Marcha de Recife

Direto de Recife
Cerca de 2 mil pessoas participaram da 3ª Marcha da Maconha na região do Recife (PE) neste domingo. O movimento pediu a descriminalização da droga e a regulamentação do plantio, distribuição e venda. A mobilização foi acompanhada por 50 policiais militares, por meio de oito viaturas e um helicóptero.

Ao todo, os manifestantes percorreram um trajeto de 2 km, nas principais ruas do bairro Recife, no centro da capital pernambucana. Além dos policiais militares, agentes disfarçados estavam entre os participantes. Muitos suspeitos foram revistados, segundo a Polícia Militar.

Em vários momentos, os organizadores pediam para ninguém fumar ou portar maconha. "Não queime o filme da marcha. Não fume nada que ainda é proibido", gritava pelo carro de som o professor de história Gilberto Bezerra, 35 anos, líder da manifestação.

A marcha teve o apoio do vereador do Recife Osmar Ricardo (PT), que financiou a compra de camisas alusivas ao movimento e alugou o carro de som, e do candidato a governador Edilson Silva (Psol), que pediu que o uso da maconha recebesse o mesmo tratamento na legislação que o consumo de álcool.

Em sua maioria jovens, os manifestantes usaram cartazes e camisas pedindo a liberação da maconha. Alguns, como o jovem Raoni Moura, 20 anos, escreveu na sua camisa palavras a favor da maconha e contra o consumo de crack. "Legalizar é a solução", afirmou.

Um detido
Durante a marcha, uma pessoa foi detida, de acordo com a PM - um jovem de 24 anos que portava a droga. O rapaz assinou um termo e vai responder pelo crime em liberdade.

A detenção foi o único momento de apreensão da marcha - pacífica durante todo o seu trajeto. Muito manifestantes cercaram os policiais militares e gritaram palavras de ordem: "Ei polícia, maconha é uma delícia!".

Marcha criticada
Na semana que antecedeu a mobilização, a 3ª Marcha da Maconha foi condenada pelo secretário de Defesa Social do governo de Pernambuco, Wilson Damásio. Ele disse não concordar com o que chamou de "apologia ao uso das drogas".

Após a manifestação do secretário, o professor Gilberto Bezerra, organizador da manifestação, o procurou no final da semana passada. "Fomos informar o caráter pacífico e a favor de debate do movimento. Não pregamos o uso da droga, apenas a sua descriminalização", disse.