"O consumo moderado de maconha não provoca nenhum dano sério à saúde"

"Nunca, em 5000 anos de história, foi relatado um caso sequer de morte provocado pelo consumo de cannabis"






Absurdo juridico

A imposição de sanção penal ao possuidor de droga para uso próprio conflita com o Estado Constitucional e Democrático de Direito (que não aceita a punição de ninguém por perigo abstrato e tampouco por fato que não afeta terceiras pessoas).

Vejamos: por força do princípio da ofensividade não existe crime (ou melhor: não pode existir crime) sem ofensa ao bem jurídico.
(cf. GOMES, L.F. e GARCIA-PABLOS DE MOLINA, A.Direito


legalize canabis sativa
medicinal e recreativa

quarta-feira, 14 de julho de 2010

As culturas e as drogas – por Juca Ferreira do Comunidade Segura

Com o lançamento do livro “Drogas e Cultura: novas perspectivas”, editado em parceira com a Universidade Federal da Bahia, o Ministério da Cultura espera contribuir com o debate e para uma maior eficácia das políticas públicas sobre drogas em nosso país.

Sabemos ser este um relevante tema, complexo, de uma extrema delicadeza, e que envolve posições muito díspares. Não fugir ao debate e à polêmica tem sido uma postura deste Ministério. Não poderíamos nos furtar a esta discussão, especialmente pela gravidade crescente de que se reveste. Sobretudo porque dela a dimensão cultural da questão não pode estar ausente, se quisermos desenvolver uma ação responsável sobre o assunto.

A cultura não é apenas um componente a mais, ela é de fundamental importância. Sentimos que a sociedade não está sabendo tratar o tema das drogas. Ele não é apenas um caso de polícia e de saúde pública. Com “droga”, ou sem “droga”, os seres humanos, ao longo do tempo, têm buscado ampliar o horizonte do real. Parece ser algo intrínseco à sua natureza. E, como desconhecer que, historicamente, todas as culturas têm relação com substâncias psicoativas?

Precisamos escapar de uma visão simplista e superficial sobre o assunto; este tema deve ser abordado, preferencialmente, de uma maneira multidisciplinar, já que a sua compreensão envolve a consideração de diversos aspectos, como os farmacológicos, psicológicos e socioculturais. Não se trata de desconsiderar os riscos e as complexidades bioquímicas do uso dessas substâncias, mas de abrir mais espaço para este tipo de reflexão na discussão sobre as “drogas” na atualidade.

Um novo ponto de vista, baseado na redução dos danos, tem emergindo no mundo inteiro, com apoio de vários cientistas, inclusive com a participação de vários ganhadores do Nobel. No Brasil, há alguns anos acompanhamos um saudável amadurecimento acadêmico das pesquisas e dos estudos sobre os usos de “drogas”. Antropólogos, sociólogos, historiadores, médicos, juristas, economistas e tantos outros pesquisadores – alguns deles colaboradores do livro em pauta – estão revelando facetas inusitadas sobre este fenômeno do nosso cotidiano, muito freqüente nas nossas manchetes midiáticas.

Há em curso quase um movimento intelectual que oferece uma abordagem biopsicossocial dos estudos sobre “drogas”, um movimento engajado em refletir sobre este polêmico tema e sobre seus paradoxos; que visa a fecundar um debate público mais condizente com o pluralismo, a diversidade e a democracia que têm caracterizado nosso país. Não se pode analisar o uso das “drogas” exclusivamente a partir de seus aspectos farmacológicos e biológicos, precisamos levar em conta as variáveis psíquicas individuais e o contexto social.
A militarização no combate às “drogas” está perdendo a batalha em todo o Ocidente. Esta ação não tem diferenciado o usuário do traficante, para ela o consumidor é um cúmplice. Não se interessa pelas diferenças importantes entre as drogas, tanto no âmbito das alterações da percepção e das atividades cerebrais como as diferentes conseqüências físicas e psíquicas de cada uma delas e não consideram a necessidade de compreender os contextos sociais e comportamentais dos usuários.

Por outro lado, não basta a descriminalização; a questão é complexa e precisamos de estratégias complexas e de informação e da contextualização de cada caso. Algumas drogas viciam e geram dependências com conseqüências devastadoras, inclusive, parte das drogas legais. A bebida, por exemplo, tem presença maciça nos acidentes de trânsito e muitos remédios causam níveis altos de dependência. Não podemos imputar à cultura a possibilidade de solucionar o problema. A cultura entra como um componente a mais de uma análise multidisciplinar, mas de fundamental importância.

Ao desconhecer certas singularidades e ignorar os diversos contextos culturais, acabamos por tratar de modo estanque e indiferenciado as distintas apreensões culturais e nos tornamos incapazes de distinguir as implicações dos diversos usos das “drogas”. Só bem recentemente começamos a reconhecer a legalidade dos usos cultuais de certas substâncias psicoativas vinculadas a rituais.
A diferenciação entre o consumo próprio – individual ou coletivo – e o tráfico também ainda não foi totalmente estabelecida. A ausência de tal distinção acarreta um tratamento de desconfiança moral, policial e legal frente a todos os usuários de substâncias psicoativas, independente de seus hábitos e dos contextos culturais.

Existem drogas legais e drogas ilegais. Drogas leves e pesadas. Drogas que criam dependência e drogas que não criam. Umas mais, outras menos.
Precisamos também balizar de um modo mais atento e detalhado as relações entre os usos, o consumo, a circulação e os direitos privados dos cidadãos brasileiros. Devemos repensar e reconsiderar a relação entre o Estado, as “drogas” e os direitos privados. Este é um passo imprescindível para o amadurecimento das políticas públicas relacionadas às “drogas”.

As abordagens sociais tendem a ser levadas em consideração somente quando são realizadas no âmbito do crime, do tráfico, da violência urbana ou da pobreza, sendo desvalorizadas em seus aspectos culturais. Ainda persiste uma tendência a atribuir maior legitimidade aos estudos sobre o assunto desenvolvidos no âmbito das ciências da saúde: como a medicina, a farmacologia e a psicologia. A incapacidade de lidar com a complexidade do fenômeno das “drogas” e essa opção por um tratamento unilateral influencia o campo político, onde se percebe a pobreza das análises e a ausência dos aspectos socioculturais na concepção das políticas públicas direcionadas a elas.

Precisamos incorporar uma compreensão “antropológica” sobre as substâncias psicoativas, uma abordagem mais voltada para a atenção aos comportamentos e aos bens simbólicos despertados pelos diversos usos culturais das “drogas”, tanto no nível individual quanto social. Precisamos exercer um papel propositivo na elaboração da atual política nacional sobre a matéria, buscando sempre a ênfase na redução dos danos. Precisamos valorizar o papel das ciências humanas na reflexão sobre o tema e a relacioná-las a outras discussões.

Longe de se limitar a um vínculo com o problema da violência ou da criminalidade social, o consumo de “drogas”, desde sempre, remeteu a várias esferas da vida humana, ligando-se a fenômenos religiosos, movimentos de construção (ou reconstrução) de identidades de minorias sociais, étnicas, geracionais, de gênero, ou ainda a produções estéticas. Fatores de ordem moral e cultural possuem uma ação determinante na constituição de padrões reguladores ou estruturantes do consumo de todos os tipos de “drogas”.

Para o bem e para o mal, as “drogas” são e estão na sociedade e nas culturas e, portanto, não podem ser entendidas fora delas. Todas elas partem da enorme diversidade de práticas, representações, símbolos e artes que habitam o Brasil. Nossos pesquisadores e nossa legislação devem, em alguma medida, levar em consideração a dimensão cultural para cunhar políticas públicas mais eficazes e mais adequadas à contemporaneidade.

* Ministro de Estado da Cultura do Brasil

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